RELATOR : MIN. CELSO DE MELLO
IMPTE.(S) :ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MAGISTRADOS ESTADUAIS - ANAMAGES
ADV.(A/S) :VERGILIO WELLINGTON COSTA DE SOUZA
IMPDO.(A/S) :CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA
ADV.(A/S) :ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA.
ENTIDADE DE CLASSE DA MAGISTRATURA NACIONAL. IMPUGNAÇÃO À RESOLUÇÃO 170/2013 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. ALEGAÇÃO DE MÚLTIPLAS OFENSAS AO TEXTO DA CONSTITUIÇÃO. ATO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA QUE OBJETIVOU REGULAMENTAR A PARTICIPAÇÃO DE MAGISTRADOS EM CONGRESSOS, SEMINÁRIOS, SIMPÓSIOS, ENCONTROS JURÍDICOS E CULTURAIS E EVENTOS SIMILARES. COMPETÊNCIA DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA QUE TRADUZ DIRETA EMANAÇÃO DO TEXTO DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E QUE LHE OUTORGA PODER PARA, LEGITIMAMENTE, PRATICAR ATOS E EXPEDIR REGULAÇÕES NORMATIVAS DESTINADOS A VIABILIZAR O CUMPRIMENTO, POR PARTE DOS MAGISTRADOS, DE SEUS DEVERES FUNCIONAIS, NOTADAMENTE OS DE PROBIDADE E DE RESPEITO AOS PRINCÍPIOS DA
LEGALIDADE, DA MORALIDADE E DA IMPESSOALIDADE NO DESEMPENHO DO OFÍCIO
JURISDICIONAL. NECESSIDADE DE O MAGISTRADO MANTER CONDUTA IRREPREENSÍVEL EM SUA VIDA PÚBLICA E PARTICULAR, RESPEITANDO, SEMPRE, A VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL QUE O...
IMPEDE DE RECEBER, A QUALQUER TÍTULO OU PRETEXTO,
AUXÍLIOS OU CONTRIBUIÇÕES DE PESSOAS FÍSICAS, DE ENTIDADES PÚBLICAS OU DE EMPRESAS PRIVADAS, RESSALVADAS AS EXCEÇÕES PREVISTAS EM LEI (CF, ART. 95, PARÁGRAFO ÚNICO, N. IV). SUBSTRATO ÉTICO-JURÍDICO DESSE DEVER QUE REPOUSA EM DUPLO FUNDAMENTO, TANTO DE ÍNDOLE CONSTITUCIONAL QUANTO DE
NATUREZA DEONTOLÓGICA. AS VEDAÇÕES CONSTITUCIONAIS REFERIDAS NO ART. 95,
PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI FUNDAMENTAL COMO ELEMENTOS DE GARANTIA DA IMPARCIALIDADE DO MAGISTRADO E DE PRESERVAÇÃO DE SUA INTEGRIDADE PESSOAL E PROFISSIONAL. O ALTO SIGNIFICADO DO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL. LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO. ESTRUTURA CONSTITUCIONAL DESSE DIREITO FUNDAMENTAL (ADI 3.045/DF, REL. MIN. CELSO DE MELLO). ALEGADO DESRESPEITO A
ESSA LIBERDADE PÚBLICA IMPUTADO AO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. APARENTE
INOCORRÊNCIA, NA ESPÉCIE, DE SITUAÇÃO DE LESIVIDADE. RESTRIÇÕES QUE, FUNDADAS NA CONSTITUIÇÃO E EXPLICITADAS PELO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (RESOLUÇÃO CNJ 170/2013), TÊM OS MAGISTRADOS COMO OS SEUS ÚNICOS E ESPECÍFICOS DESTINATÁRIOS. LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DOS PODERES NORMATIVOS RECONHECIDOS AO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (ADI 3.367/DF E ADC 12/DF). INFORMAÇÕES PRESTADAS PELO CNJ E PELO CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA CUJO TEOR OBSTARIA O RECONHECIMENTO DA PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DA PRETENSÃO MANDAMENTAL DEDUZIDA PELA ENTIDADE DE CLASSE DA MAGISTRATURA NACIONAL. DESCARACTERIZAÇÃO DA RELEVÂNCIA JURÍDICA DA POSTULAÇÃO MANDAMENTAL QUE SE MOSTRARIA IGUALMENTE AFETADA PELA APARENTE INADEQUAÇÃO DO MEIO PROCESSUAL UTILIZADO, EIS QUE INVIÁVEL O MANEJO DE
MANDADO DE SEGURANÇA PARA IMPUGNAR ATO EM TESE (SÚMULA 266/STF), ASSIM CONSIDERADO AQUELE QUE SE MOSTRA REVESTIDO DOS ATRIBUTOS DE NORMATIVIDADE E DE GENERALIDADE ABSTRATA. PRECEDENTES. MEDIDA CAUTELAR INDEFERIDA.
DECISÃO: Trata-se de mandado de segurança, com pedido de
medida liminar, impetrado contra deliberação do Conselho Nacional de
Justiça consubstanciada na Resolução nº 170, de 16 de fevereiro de 2013,
que possui o seguinte conteúdo normativo:
“Art. 1.º Os congressos, seminários, simpósios, encontros jurídicos
e culturais e eventos similares realizados, promovidos ou apoiados
pelos Conselhos da Justiça, Tribunais submetidos à fiscalização do
Conselho Nacional de Justiça e Escolas Oficiais da Magistratura,
estão subordinados aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência, de forma que o conteúdo
do evento, sua carga horária, a origem das receitas e o
montante das despesas devem ser expostos de forma prévia e transparente.
Art. 2.º Os congressos, seminários, simpósios, encontros jurídicos
e culturais e eventos similares, quando promovidos por Tribunais,
Conselhos de Justiça e Escolas Oficiais da Magistratura, com participação
de magistrados, podem contar com subvenção de entidades privadas com
fins lucrativos, desde que explicitado o montante do subsídio e que seja
parcial, até o limite de 30% dos gastos totais.
Art. 3.º A documentação relativa aos congressos,
seminários, simpósios, encontros jurídicos e culturais e eventos similares,
quando realizados por órgãos da justiça submetidos ao Conselho
Nacional de Justiça, inclusive as Escolas Oficiais da Magistratura, ficará à
disposição do CNJ para controle, bem como de qualquer interessado.
Art. 4.º A participação de magistrados em encontros
jurídicos ou culturais, quando promovidos ou subvencionados por
entidades privadas com fins lucrativos, e com transporte e hospedagem
subsidiados por essas entidades, somente poderá se dar na condição de
palestrante, conferencista, presidente de mesa, moderador, debatedor ou organizador.
Parágrafo único. A restrição não se aplica aos eventos
promovidos e custeados com recursos exclusivos das associações de magistrados.
Art. 5.º Ao magistrado é vedado receber, a qualquer título ou
pretexto, prêmios, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades
públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei.
Art. 6.º Esta Resolução entrará em vigor 60 (sessenta) dias após
a sua publicação em sessão de julgamento pelo plenário do Conselho
Nacional de Justiça.” (grifei)
A autora sustenta, nesta impetração mandamental, que a Resolução em
causa transgride os direitos de seus associados (a) à fiel observância da
cláusula do devido processo legal, nela incluídas as prerrogativas inerentes
à ampla defesa e ao contraditório, (b) à liberdade de atividade intelectual
e científica e (c) aos postulados da legalidade, da razoabilidade e da
proporcionalidade, além de o ato em questão alegadamente ofender o
direito das própria entidade de classe à liberdade de associação e ao seu
funcionamento sem interferência estatal.
Passo a examinar a postulação cautelar formulada pela ora
impetrante. E, ao fazê-lo, entendo, em juízo de estrita delibação, que não se
acham cumulativamente presentes os requisitos autorizadores da concessão
da medida liminar em referência.
Devo observar, inicialmente, que a presente ação de mandado de
segurança poderá sofrer, nesta Suprema Corte, juízo negativo de
cognoscibilidade, eis que aparentemente ajuizada contra ato estatal – a
Resolução CNJ nº 170/2013 – revestido de conteúdo normativo e abstrato,
subsumível, por isso mesmo, à noção de ato em tese.
Com efeito, os preceitos inscritos em tal diploma normativo traduziriam,
em princípio, ato em tese, cujo coeficiente de normatividade e de generalidade
abstrata impediria, na linha de diretriz jurisprudencial firmada pelo
Supremo Tribunal Federal (Súmula 266), a válida (e adequada) utilização
do remédio constitucional do mandado de segurança:
“Não se revelam sindicáveis, pela via jurídico-processual do
mandado de segurança, os atos em tese, assim considerados aqueles
(…) que dispõem sobre situações gerais e impessoais, que têm alcance
genérico e que disciplinam hipóteses neles abstratamente previstas.
Precedentes. Súmula 266/STF.”
(RTJ 180/942-943, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Cumpre enfatizar, neste ponto, que normas em tese – assim
entendidos os preceitos estatais qualificados em função do tríplice atributo
da generalidade, impessoalidade e abstração – não se expõem ao controle
jurisdicional pela via do mandado de segurança, cuja utilização deverá
recair, unicamente, sobre os atos destinados a dar aplicação concreta ao
que se contiver nas leis, em seus equivalentes constitucionais ou, como na
espécie, em regramentos administrativos de conteúdo normativo,
consoante adverte o magistério da doutrina (HELY LOPES MEIRELLES,
“Mandado de Segurança e Ações Constitucionais”, p. 39/40, 33ª ed.,
2010, atualizada por Arnoldo Wald e Gilmar Ferreira Mendes, Malheiros;
ALFREDO BUZAID, “Do Mandado de Segurança”, vol. I/126-129,
itens ns. 5/6, 1989, Saraiva; CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO,
“Manual do Mandado de Segurança”, p. 41/43, 3ª ed., 1999,
Renovar; FRANCISCO ANTONIO DE OLIVEIRA, “Mandado de
Segurança e Controle Jurisdicional”, p. 28/29, item n. 2.1.1, 2ª ed., 1996, RT, v.g.).
Esse entendimento doutrinário, por sua vez, expressa, de maneira
clara, a própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que sempre
vem enfatizando, a propósito da matéria em exame, não serem
impugnáveis, em sede mandamental, aqueles atos estatais cujo conteúdo
veicule prescrições disciplinadoras de situações gerais e impessoais
e regedoras de hipóteses que se achem abstratamente previstas em
tais atos ou resoluções (RTJ 132/189, Rel. Min. CELSO DE MELLO –
MS 32.022-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
E é, aparentemente, o que sucede na espécie, pois a Resolução
CNJ nº 170/2013 – pela circunstância de apenas dispor, normativamente,
“in abstracto”, sobre situações gerais e impessoais – depende, para efeito de
sua aplicabilidade, da prática necessária e ulterior de atos concretos
destinados a realizar as prescrições abstratas formalmente
consubstanciadas no mencionado ato normativo.
Isso significa, portanto, que a possibilidade jurídico-processual de
impugnação, em sede mandamental, do ato normativo em questão
equivaleria, em última análise, a tornar questionável a utilização do
mandado de segurança como inadmissível sucedâneo da ação direta de
inconstitucionalidade, desconsiderando-se, desse modo, a advertência deste
Supremo Tribunal Federal, cujas decisões já acentuaram, por mais de uma
vez, a inviabilidade do emprego do “writ” mandamental como
instrumento de controle abstrato da validade constitucional das leis e dos
atos normativos em geral (RTJ 110/77, Rel. Min. FRANCISCO REZEK –
RTJ 111/184, Rel. Min. DJACI FALCÃO – RTJ 132/1136, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.):
“É plena a insindicabilidade, pela via jurídico-processual do
mandado de segurança, de atos em tese, assim considerados os que
dispõem sobre situações gerais e impessoais, têm alcance genérico e
disciplinam hipóteses que neles se acham abstratamente previstas. O
mandado de segurança não é sucedâneo da ação direta de
inconstitucionalidade nem pode substituí-la, sob pena de grave
deformação do instituto e inaceitável desvio de sua verdadeira função
jurídico-processual.”
(RTJ 132/189, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
“I. (...) Todavia, se o decreto tem efeito normativo,
genérico, por isso mesmo sem operatividade imediata,
necessitando, para a sua individualização, da expedição
de ato administrativo, então contra ele não cabe mandado de
segurança, já que, admiti-lo, seria admitir a segurança contra lei
em tese, o que é repelido pela doutrina e pela jurisprudência (Súmula nº 266).
II. - Mandado de segurança não conhecido.”
(RTJ 138/756, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – grifei)
Não foi por outra razão que o eminente Ministro JOAQUIM
BARBOSA, ao apreciar, como Relator, o MS 28.169/DF – impetrado
contra a Resolução CNJ nº 80/2009 –, negou seguimento a referido
mandado de segurança, por entender, corretamente, que tal ato “(...) é
dotado de caráter normativo, disciplinando situações gerais e abstratas.
Produz, portanto, efeitos análogos ao de uma lei em tese, contra a qual
não cabe mandado de segurança nos termos da Súmula 266 desta Corte” (grifei).
Esse mesmo entendimento foi recentemente reafirmado pelo eminente
Ministro LUIZ FUX, em decisão que não conheceu de mandado de
segurança também impetrado contra resolução emanada do E. Conselho Nacional de Justiça:
“(...). 2. A Resolução nº 175 do CNJ, enquanto dotada de
generalidade, abstração e impessoalidade, não se expõe ao controle
jurisdicional pela via do mandado de segurança, nos termos da
Súmula nº 266 do STF.
3. O Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADC nº 12,
Rel. Min. Ayres Britto, reconheceu o poder normativo do Conselho
Nacional de Justiça, para inovar na ordem jurídica a partir de
parâmetros erigidos constitucionalmente.
4. O Conselho Nacional de Justiça pode emitir juízos, ‘ex
ante’ e ‘in abstracto’, acerca da validade ou invalidade de
determinada situação fática concreta.
5. Mandado de segurança extinto sem resolução de mérito.”
(MS 32.077/DF, Rel. Min. LUIZ FUX – grifei)
Ainda que superável essa aparente inviabilidade da ação mandamental
(matéria a ser oportunamente analisada), tenho para mim que o exame
dos fundamentos do ato ora apontado como coator parece descaracterizar –
ao menos em juízo de estrita delibação – a plausibilidade jurídica da
pretensão cautelar deduzida nesta sede processual, especialmente
se se tiver em consideração a finalidade institucional de que se acha
investido, por efeito de determinação constitucional, o Conselho Nacional de Justiça.
A EC nº 45/2004, ao instituir o Conselho Nacional de Justiça,
definiu-lhe um núcleo irredutível de atribuições, além daquelas que lhe
venham a ser conferidas pelo Estatuto da Magistratura, assistindo-lhe o
dever-poder de efetuar, no plano da atividade estritamente
administrativa e financeira do Poder Judiciário, o controle do
“cumprimento dos deveres funcionais dos juízes” (CF, art. 103-B, § 4º).
Para tanto, a EC nº 45/2004 previu meios destinados a viabilizar o
pleno exercício, pelo Conselho Nacional de Justiça, de suas atribuições,
inclusive aquelas pertinentes ao desempenho de sua jurisdição censória,
cabendo destacar, entre os diversos instrumentos de ativação de sua
competência administrativa, aqueles que lhe permitem “zelar pela
autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da
Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua
competência, ou recomendar providências”, e “zelar pela observância do
art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade
dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário,
podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as
providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da
competência do Tribunal de Contas da União” (CF, art. 103-B, § 4º, I e II – grifei).
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 3.367/DF (RTJ 197/839-
-840), bem explicitou referidas atribuições, indicando-lhes a própria razão
de ser, como resulta claro de fragmento do voto então proferido pelo
eminente Ministro CEZAR PELUSO, Relator da causa:
“A segunda modalidade de atribuições do Conselho diz
respeito ao controle ‘do cumprimento dos deveres funcionais
dos juízes’ (art. 103-B, § 4º). E tampouco parece-me hostil à
imparcialidade jurisdicional.
Representa expressiva conquista do Estado democrático de
direito, a consciência de que mecanismos de responsabilização dos
juízes por inobservância das obrigações funcionais são também
imprescindíveis à boa prestação jurisdicional. (…).
Entre nós, é coisa notória que os atuais instrumentos
orgânicos de controle ético-disciplinar dos juízes, porque
praticamente circunscritos às corregedorias, não são de todo
eficientes, sobretudo nos graus superiores de jurisdição (…).
Perante esse quadro de relativa inoperância dos órgãos
internos a que se confinava o controle dos deveres funcionais dos
magistrados, não havia nem há por onde deixar de curvar-se ao
cautério de Nicoló Trocker: ‘o privilégio da substancial
irresponsabilidade do magistrado não pode constituir o preço que a
coletividade é chamada a pagar, em troca da independência dos seus juízes’. (…).
Tem-se, portanto, de reconhecer, como imperativo do regime
republicano e da própria inteireza e serventia da função, a
necessidade de convívio permanente entre a independência
jurisdicional e instrumentos de responsabilização dos juízes que
não sejam apenas formais, mas que cumpram, com efetividade, o
elevado papel que se lhes predica. (…).” (grifei)
Mostra-se relevante destacar, de outro lado, que o eminente
Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Francisco Falcão, ao justificar a
necessidade de edição da Resolução em causa, assim fundamentou, no
ponto, as razões que evidenciariam a plena legitimidade jurídica do ato em referência:
“O presente procedimento (ATO nº. 0006235-
-27.2011.2.00.0000) teve início no dia 5/12/2011 através de ofício
encaminhado pela Ministra Eliana Calmon, à época Corregedora
Nacional de Justiça, ao então Presidente do Conselho Nacional de
Justiça, Ministro Cezar Peluso. Referido ofício foi acompanhado de
minuta de Resolução, a qual visava regulamentar a participação
de magistrados em seminários, cursos, congressos, encontros
culturais, esportivos ou recreativos e eventos similares. Na
oportunidade, dentre os fundamentos para a edição de uma
Resolução de âmbito nacional visando regulamentar a matéria,
consideraram-se ‘as inúmeras críticas publicadas por grandes
veículos de imprensa nacional sobre a participação de magistrados e
seus familiares em eventos patrocinados ou subsidiados por pessoas
físicas ou por pessoas jurídicas de direito privado, ainda que
indiretamente’ (Evento 1).
Proferi voto na 161ª Sessão Ordinária do CNJ, quando
afirmei que diversos veículos de comunicação já viriam noticiando
determinados fatos que reputo gravíssimos. Dentre estes fatos
estariam: festa de magistrados em que teve sorteio de automóvel,
cruzeiros e viagens à Europa; associação divulga lista de
patrocinadores que incluem empresas privadas e Caixa
Econômica Federal; em festa para mais de mil pessoas,
promovida no Clube Monte Líbano, a Associação dos Magistrados
Paulista distribui no último dia primeiro, presentes oferecidos por
empresas públicas e privadas para juízes estaduais. Entre os
brindes havia: automóveis, cruzeiros, viagens internacionais e
hospedagem em resorts com direito a acompanhante. Houve
sorteio de um ‘Volkswagem Fox' zero quilômetro e de viagens
nacionais e internacionais.
Ainda na 161ª Sessão do CNJ, asseverei que, em 2010,
a festa da APAMAGIS teve patrocínio do Banco do Brasil,
da cervejaria ‘Itaipava’, da seguradora MBS, e da operadora de
planos de saúde 'Qualicorp'. (…). A ‘TAM’ cedeu duas
passagens de ida e volta para Paris e a 'Qualicorp' um 'Ford
Fiesta' zero quilômetro.
Da mesma forma, em ofício encaminhado à Corregedoria
Nacional de Justiça, o Presidente da APAMAGIS reconheceu que
houve o sorteio de passagens aéreas, hospedagem na pousada
Campos do Jordão, viagem para Maceió, duas geladeiras,
viagem para Costa do Santinho, viagem para Costa do Sauipe, uma
semana de locação de carro econômico, uma semana de
hospedagem no hotel Rosean Inn, na cidade de Orlando na
Flórida com direito a acompanhante, cruzeiro marítimo no navio
Splendor Of the Seas, o segundo maior transatlântico do
mundo, outro cruzeiro no mesmo transatlântico, viagem para
Maceió, fretamento aéreo através da CVC e sorteio do carro 'Fox'
prata, 1.0, modelo 2012.
Note-se, excelência, que eventos de que participam
magistrados estavam sendo realizados sem qualquer controle,
como fiz constar em meu voto. E mesmo depois da
regulamentação tais eventos estão sendo realizados, mas
necessitam de controle.
Apenas para ilustrar, cito, aqui, a programação do
Encontro do Colégio Permanente de Diretores de Escolas
Estaduais de Magistratura – COPEDEM, que seria realizado
de 16 a 19 de maio de 2013, no Hotel Dolphin – Distrito de Fernando
de Noronha/PE.
Acrescento, ainda, que, até o Festival de Parintins, evento
tradicional de Manaus/AM, tem contado com a presença de
magistrados, conforme indica a programação de 2013, documento anexo.
Em Sessão ocorrida no dia 19/2/2013 (163ª Sessão Ordinária
do CNJ), o Plenário deste Conselho aprovou, por maioria,
o texto substitutivo da Resolução (Evento 65). Vejamos a certidão
da 163ª Sessão Ordinária do CNJ:
‘Após o voto do Conselheiro Carlos Alberto (vistor), que
apresentou nova proposta de resolução elaborada em conjunto
com o Corregedor Nacional de Justiça, o Conselho, por maioria,
aprovou o substitutivo da resolução.
Vencidos, parcialmente, os Conselheiros Sílvio Rocha e
Tourinho Neto, que não aprovaram o art. 2° e propuseram
alterações aos artigos 4° e 5°. Vencidos, parcialmente, os
Conselheiros Vasi Werner, Jefferson Kravchychyn e Jorge
Hélio, que vedaram o patrocínio do art. 2°. Vencido, em maior
extensão, o Conselheiro José Lucio Munhoz, o qual conheceu e
aprovou questão de ordem no sentido de realizar-se consulta
pública. Votou o Presidente. Presidiu o julgamento o
Conselheiro Joaquim Barbosa. Plenário, 19 de fevereiro de 2013.
Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores
Conselheiros Joaquim Barbosa, Francisco Falcão, Carlos
Alberto, Neves Amorim, Tourinho Neto, Ney Freitas, Vasi
Werner, Silvio Rocha, José Lucio Munhoz, Wellington Cabral
Saraiva, Gilberto Martins, Jefferson Kravchychyn, Jorge Hélio,
Emmanoel Campelo e Bruno Dantas.
Presente o Procurador-Geral da República e,
representando o Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados
do Brasil, Cláudio Pereira de Souza Neto, Secretário-Geral.
Manifestou-se o advogado Alberto Pavie Ribeiro – OAB/DF 7.077’.
A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do
Trabalho (ANAMATRA), a Associação dos Magistrados
Brasileiros (AMB) e a Associação dos Juízes Federais do Brasil
(AJUFE) requereram seu ingresso no feito, como interessadas
(Eventos 11, 13 e 35, respectivamente). Também a AJUFE e a AMB
requereram a realização de audiência pública, bem como vista do
procedimento (Eventos 35 e 36, respectivamente).
Os requerimentos para a realização de audiência pública,
de vista dos autos e de adiamento do julgamento foram todos
considerados prejudicados. Decisão do Corregedor Nacional de
Justiça asseverou que (Evento 41):
‘De fato, assiste razão aos requerentes quando aduzem
tratar-se de matéria de interesse da sociedade e da magistratura,
como de resto ocorre com todas as demandas tratadas pelo
Conselho Nacional de Justiça.
Entretanto, como se trata de feito que já teve a proposta
de redação apresentada pelo relator ao Plenário do CNJ, não há
que se falar em adiamento, concessão de vista ou realização de audiências públicas.
Não se olvide, entretanto, que a participação da
sociedade e das entidades de classe da magistratura nacional nos
assuntos que lhe digam respeito não pode se resumir a etapas de
um processo. Assim, ainda que editado o ato normativo, este
Conselho permanece sempre atento a qualquer demanda recebida
no intuito de proceder aos ajustes que visem ao aperfeiçoamento da medida.
Isto posto, está prejudicado o pedido de realização de
audiências públicas, vista dos autos e adiamento formulado pelos requerentes’.
Tanto a ANAMATRA quanto a AMB reiteraram pedidos
de discussão da minuta de Resolução (Eventos 50 e 61,
respectivamente).
Ocorre que, em momento algum, as associações
impetrantes ofereceram qualquer proposta de regulamentação,
em suas manifestações nos autos. Tanto as iniciais dos
Mandados de Segurança em questão, quanto suas manifestações
no procedimento do CNJ, indicam que são contrárias a qualquer
forma de controle.
Note-se que, por ato da Presidência do CNJ, compete à
Corregedoria Nacional de Justiça acompanhar o cumprimento da
Resolução em questão (Evento 88), e está sempre à disposição das
Associações para esclarecer o Alcance da regulamentação e ouvir todas
as ponderações, como aliás ficou consignado na decisão que proferi no
evento 41, que ora Reitero: ‘Não se olvide, entretanto, que a
participação da sociedade e das entidades de classe da magistratura
nacional nos assuntos que lhe digam respeito não pode se resumir a
etapas de um processo. Assim, ainda que editado o ato normativo, este
Conselho permanece sempre atento a qualquer demanda recebida no
intuito de proceder aos ajustes que visem ao aperfeiçoamento da medida’.
3- CNJ (Eventos 91 e 93).
Sendo o que cumpria informar a Vossa Excelência,
permanece esta Corregedoria Nacional de Justiça à disposição
para quaisquer esclarecimentos que se mostrem necessários.” (grifei)
O relato que venho de reproduzir, emanado do eminente Senhor
Corregedor Nacional de Justiça, revela as graves razões que levaram o
Conselho Nacional de Justiça a editar a Resolução ora questionada,
movido pela necessidade de impor a observância do que prescreve, em
cláusula vedatória, a norma inscrita no art. 95, parágrafo único, n. IV, da
Constituição da República, cujo texto não pode deixar de ser respeitado por
quem quer que seja, especialmente por membros integrantes do Poder
Judiciário. Já escrevi, em decisões por mim anteriormente proferidas no
Supremo Tribunal Federal, que os membros de qualquer Poder (como os
juízes), quando atuam de modo reprovável ou contrário ao direito,
transgridem as exigências éticas que devem pautar e condicionar a
atividade que lhes é inerente.
A ordem jurídica não pode permanecer indiferente a condutas de
quaisquer autoridades da República, inclusive juízes, que hajam
eventualmente incidido em reprováveis desvios éticos no desempenho
da elevada função de que se acham investidas.
A Resolução CNJ nº 170/2013, considerados os fatos e motivos que lhe
deram origem, constituiria, nesse contexto, elemento de concretização da ética
republicana, por cuja integridade todos, sem exceção, devemos velar,
notadamente aqueles investidos em funções no aparelho de Estado, quer
no plano do Poder Executivo, quer na esfera do Poder Legislativo, quer,
ainda, no âmbito do Poder Judiciário.
Inquestionável, desse modo, a alta importância da vida ilibada dos
magistrados, pois a probidade pessoal, a moralidade administrativa e a
incensurabilidade de sua conduta na vida pública e particular (LOMAN,
art. 35, VIII) representam valores que consagram a própria dimensão ética
em que necessariamente se deve projetar a atividade pública (e privada) dos juízes.
Sabemos todos que o cidadão tem o direito de exigir que o Estado seja
dirigido por administradores íntegros, por legisladores probos e por juízes
incorruptíveis, isentos e imparciais, que desempenhem as suas funções com
total respeito aos postulados ético-jurídicos que condicionam o exercício
legítimo da atividade pública. O direito ao governo honesto – nunca
é demasiado proclamá-lo – traduz prerrogativa insuprimível da cidadania.
É por tal razão que a defesa dos valores constitucionais da probidade
administrativa e da moralidade para o exercício da magistratura traduz
medida da mais elevada importância e da mais alta significação para a
vida institucional do País.
Daí a necessidade de atenta vigilância sobre a conduta pessoal e
funcional dos magistrados em geral, independentemente do grau de
jurisdição em que atuem, em ordem a evitar – tal como objetiva a
Resolução em causa – que os juízes, recebendo, de modo inapropriado,
auxílios, contribuições ou benefícios de pessoas físicas, de entidades
públicas ou de empresas privadas, inclusive daquelas que figuram em
processos judiciais, desrespeitem os valores que condicionam o exercício
honesto, correto, isento, imparcial e independente da função jurisdicional.
Embora inquestionável a posição de grande eminência dos magistrados
no contexto político-institucional emergente de nossa Constituição,
impõe-se reconhecer, até mesmo como decorrência necessária do princípio
republicano, a possibilidade de o Conselho Nacional de Justiça efetuar o
controle estabelecido pela Resolução ora impugnada, que teve o claro
propósito – ao explicitar o comando vedatório fundado no inciso IV do
parágrafo único do art. 95 da Lei Fundamental – “(...) de estabelecer
parâmetros para a participação de magistrados em eventos jurídicos e culturais,
de modo a não comprometer a sua imparcialidade para decidir, em caso de
subvenção por entidades privadas”, inibindo, desse modo, eventuais condutas
desviantes ou, até mesmo, transgressões funcionais por parte de
autoridades judiciárias.
Na realidade – e especialmente a partir da Constituição republicana
de 1988 –, a estrita observância do postulado da moralidade passou a
qualificar-se como pressuposto de validade dos atos estatais, consoante
proclama autorizado magistério doutrinário (MANOEL DE OLIVEIRA
FRANCO SOBRINHO, “O Princípio Constitucional da Moralidade
Administrativa”, 2ª ed., 1993, Genesis; ALEXANDRE DE MORAES,
“Direito Constitucional”, p. 284, item n. 2.3, 3ª ed., 1998, Atlas; LÚCIA
VALLE FIGUEIREDO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 132/134,
2ª ed., 1995, Malheiros; CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO,
“Curso de Direito Administrativo”, p. 412/414, itens ns. 14/16, 4ª ed., 1993,
Malheiros; HELY LOPES MEIRELLES, “Direito Administrativo
Brasileiro”, p. 83/85, 17ª ed., 1992, Malheiros; MARIA SYLVIA ZANELLA
DE PIETRO, “Discricionariedade Administrativa na Constituição de
1988”, p. 116/118, item n. 2.5, 1991, Atlas, v.g.).
Cabe relembrar, neste ponto, o alto significado que o princípio da
moralidade – fundamento precípuo da Resolução ora impugnada – assume em
nosso sistema constitucional, tal como esta Suprema Corte já teve o
ensejo de enfatizar:
“O PRINCÍPIO DA MORALIDADE
ADMINISTRATIVA – ENQUANTO VALOR
CONSTITUCIONAL REVESTIDO DE CARÁTER ÉTICO-
-JURÍDICO – CONDICIONA A LEGITIMIDADE E A
VALIDADE DOS ATOS ESTATAIS.
- A atividade estatal, qualquer que seja o domínio institucional
de sua incidência, está necessariamente subordinada à observância
de parâmetros ético-jurídicos que se refletem na consagração
constitucional do princípio da moralidade administrativa. Esse
postulado fundamental, que rege a atuação do Poder Público, confere
substância e dá expressão a uma pauta de valores éticos sobre os
quais se funda a ordem positiva do Estado.
O princípio constitucional da moralidade administrativa, ao
impor limitações ao exercício do poder estatal, legitima o controle
jurisdicional de todos os atos do Poder Público que transgridam os
valores éticos que devem pautar o comportamento dos agentes e
órgãos governamentais. (...).”
(RTJ 182/525-526, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)
A análise do conteúdo da deliberação que o Conselho Nacional de Justiça
formulou na Resolução em questão revelaria, portanto, na perspectiva de um
juízo de sumária cognição, a aparente inocorrência das alegadas violações ao
art. 5º, incisos IX, XVII, XVIII, XX, XXXIX, LIV e LV, e ao art. 93 da Constituição
da República, bem assim aos “princípios constitucionais da proporcionalidade e razoabilidade”.
Sustenta-se, ainda, que o Conselho Nacional de Justiça, por meio de
Resolução formalmente inidônea, teria criado, por isso mesmo, de modo
ilegítimo, infração disciplinar nova, em ofensa ao princípio da reserva
constitucional de lei.
O exame do contexto emergente deste processo mandamental, ao
contrário, parece revelar que o Conselho Nacional de Justiça teria agido
de maneira legítima, mediante adoção de ato incluído na esfera
constitucional de suas atribuições jurídicas, não se registrando, em
consequência, ao menos em juízo de estrita delibação, qualquer atuação
“ultra vires” do órgão ora apontado como coator, conforme orientação
jurisprudencial que o Plenário desta Suprema Corte firmou no
julgamento da ADC 12/DF, Rel. Min. AYRES BRITTO.
Na realidade, a Resolução CNJ nº 170/2013, ao dispor sobre “a
participação de magistrados em congressos, seminários, simpósios, encontros
jurídicos e culturais e eventos similares”, longe de caracterizar indevida
“intervenção estatal” ou mesmo ofensa à liberdade de associação e de
funcionamento da autora, traduziria emanação direta do que prescreve a
própria Constituição da República (RE 579.951/RN, Rel. Min. RICARDO
LEWANDOWSKI), considerados, notadamente para esse efeito, além da regra
de competência fundada no art. 103-B, § 4º, do texto constitucional, os
postulados da impessoalidade e da moralidade, que representam valores
essenciais na conformação das atividades de órgãos ou agentes de
qualquer dos Poderes do Estado, especialmente de magistrados e Tribunais
judiciários, como precedentemente já assinalado.
É importante ressaltar, no ponto, que a Resolução em causa tem por
únicos destinatários os magistrados, e somente estes, considerada a
circunstância – juridicamente relevante – de que se acham eles, por efeito
de expressa prescrição constitucional, sujeitos à competência e à ação
fiscalizadora do Conselho Nacional de Justiça.
A leitura do ato ora impugnado, notadamente da regra inscrita em
seu art. 4º, evidencia que as restrições estabelecidas dirigem-se,
exclusivamente, a magistrados, cuja participação “em encontros jurídicos ou
culturais, quando promovidos ou subvencionados por entidades privadas com
fins lucrativos e com transporte e hospedagem subsidiados por essas entidades,
somente poderá se dar na condição de palestrante, conferencista, presidente de
mesa, moderador, debatedor ou organizador” (grifei).
Esse tratamento normativo do tema não impede que a entidade de
classe da magistratura nacional, como a ora impetrante, promova
simpósios, seminários, congressos, ciente, no entanto, de que os juízes
que por ela venham a ser convidados para participar desses encontros
estarão, eles apenas, em razão de sua própria investidura funcional no
cargo judiciário, sujeitos a limitações que, fundadas no texto da própria
Constituição, foram explicitadas pelo Conselho Nacional de Justiça na
Resolução objeto deste litígio mandamental.
Ou, em outras palavras, o ato normativo sob análise não compromete
os objetivos estatutários, não afeta as finalidades institucionais, não inibe
o funcionamento regular nem interfere na intimidade gerencial da
associação ora impetrante, que poderá, por isso mesmo, promover as
atividades para as quais foi instituída, preservada, em consequência, a
autonomia jurídica que tal entidade ostenta, infensa, desse modo, a
qualquer indevida interferência estatal.
Entendo, por tal razão, ao menos em sede de mera delibação e
analisada a questão sob a estrita perspectiva da liberdade de associação,
que a Resolução CNJ 170/2013 não vulneraria os elementos que compõem
a estrutura constitucional desse direito fundamental, consideradas
as razões que expus, como Relator, em voto proferido na ADI 3.045/DF.
O que não se revela aceitável, contudo, é pretender que magistrados
possam incidir em comportamentos que impliquem, tal seja a
situação ocorrente, transgressão a uma expressa vedação constitucional (CF,
art. 95, parágrafo único, n. IV) que não permite, qualquer que seja o
pretexto, a percepção, direta ou indireta, de vantagens ou de benefícios
inapropriados, especialmente quando concedidos por pessoas físicas,
entidades públicas ou empresas privadas, com especial destaque para
aquelas que, costumeiramente, figuram em processos instaurados perante
o Poder Judiciário.
Vale enfatizar, de outro lado, que a atividade estatal, qualquer que seja
o domínio institucional de sua incidência, está necessariamente
subordinada à observância de parâmetros ético-jurídicos que se refletem
na consagração constitucional do princípio da moralidade administrativa,
que se qualifica como valor impregnado de substrato ético e erigido à
condição de vetor fundamental no processo de poder, condicionando, de
modo estrito, o exercício, pelo Estado e por seus agentes, da autoridade que
lhes foi outorgada pelo ordenamento normativo. Esse postulado, que rege a
atuação do Poder Público, confere substância e dá expressão a uma pauta de
valores éticos nos quais se funda a própria ordem positiva do Estado.
É por essa razão que o princípio constitucional da moralidade
administrativa, ao impor limitações ao exercício do poder estatal,
legitima o controle de todos os atos do poder público que transgridam
os valores éticos que devem pautar o comportamento dos órgãos e dos
agentes governamentais, não importando em que instância de poder eles
se situem.
A Resolução nº 170/2013, que o Conselho Nacional de Justiça editou
com fundamento em competência que lhe foi constitucionalmente
deferida, objetivou atribuir efetividade à vedação inscrita no art. 95,
parágrafo único, n. IV, da Lei Fundamental, cuja razão de ser prende-se à
sua precípua destinação de instituir a garantia de imparcialidade dos
membros do Poder Judiciário, visando, com tal cláusula proibitiva, conferir
aos jurisdicionados a certeza de que lhes será assegurado o direito a um
julgamento justo por parte de magistrados isentos, além de atuar como
elemento de defesa da própria integridade profissional e pessoal dos
juízes, como destaca, com particular ênfase, o magistério doutrinário
(UADI LAMMÊGO BULOS, “Curso de Direito Constitucional”, p. 1.282,
7ª ed., 2012, Saraiva; GILMAR FERREIRA MENDES e PAULO GUSTAVO
GONET BRANCO, “Curso de Direito Constitucional”, p. 942, 8ª ed.,
2013, Saraiva; ALEXANDRE DE MORAES, “Direito Constitucional”,
p. 522/524, 29ª ed., 2013, Atlas, v.g.), valendo reproduzir, por expressivo
desse entendimento, fragmento da lição exposta por JOSÉ AFONSO DA
SILVA (“Curso de Direito Constitucional”, p. 592/594, 36ª ed., 2012, Malheiros):
“(…) As garantias de imparcialidade dos órgãos
judiciários aparecem, na CF, sob forma de vedações aos juízes,
denotando restrições formais a eles. Mas, em verdade, cuida-se aí,
ainda, de proteger a sua independência e, consequentemente, do
próprio Poder Judiciário. Assim é que a CF, no art. 95, parágrafo
único, veda-lhes: a) exercer, ainda que em disponibilidade, outro
cargo ou função, salvo uma de magistério; b) receber, a qualquer título
ou pretexto, custas ou participação em processo; c) dedicar-se à
atividade político-partidária; d) receber, a qualquer título ou
pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas,
entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções
previstas em lei; e) exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual
se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por
aposentadoria ou exoneração. Essas duas últimas vedações foram
acrescentadas pela EC-45/2004, tornando, assim, expressas
proibições que decorriam do sistema e a respeito das quais
ninguém tinha dúvida, tanto que o magistrado que exercesse
aquelas atividades vedadas cometia improbidade, sujeito à
punição correspondente, prevista em lei (…).” (grifei)
Não foi por outro motivo que o Código de Ética da Magistratura
Nacional, editado pelo Conselho Nacional de Justiça em 2008, ao dispor
sobre normas de caráter deontológico, deu especial relevo aos valores que,
expressamente consagrados no texto constitucional, informam e
conformam o próprio desempenho do ofício jurisdicional e a conduta
pessoal dos magistrados, como se extrai dos “consideranda” e das regras
que compõem esse importante instrumento de regência do
comportamento público e privado dos membros do Poder Judiciário:
“Considerando que a adoção de Código de Ética da
Magistratura é instrumento essencial para os juízes
incrementarem a confiança da sociedade em sua autoridade
moral;
Considerando que o Código de Ética da Magistratura traduz
compromisso institucional com a excelência na prestação do serviço
público de distribuir Justiça e, assim, mecanismo para fortalecer a
legitimidade do Poder Judiciário;
Considerando que é fundamental para a magistratura
brasileira cultivar princípios éticos, pois lhe cabe também
função educativa e exemplar de cidadania em face dos demais
grupos sociais;
Considerando que a Lei veda ao magistrado ‘procedimento
incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas
funções’ e comete-lhe o dever de ‘manter conduta irrepreensível
na vida pública e particular’ (LC nº 35/79, arts. 35, inciso VIII,
e 56, inciso II);
…...................................................................................................
Art. 1º O exercício da magistratura exige conduta
compatível com os preceitos deste Código e do Estatuto da
Magistratura, norteando-se pelos princípios da independência, da
imparcialidade, do conhecimento e capacitação, da cortesia, da
transparência, do segredo profissional, da prudência, da diligência,
da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e
do decoro.
…...................................................................................................
Art. 4º Exige-se do magistrado que seja eticamente
independente e que não interfira, de qualquer modo, na
atuação jurisdicional de outro colega, exceto em respeito às normas
legais.
Art. 5º Impõe-se ao magistrado pautar-se no desempenho de
suas atividades sem receber indevidas influências externas e
estranhas à justa convicção que deve formar para a solução
dos casos que lhe sejam submetidos.
…...................................................................................................
Art. 8º O magistrado imparcial é aquele que busca nas
provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo
ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e
evita todo o tipo de comportamento que possa refletir
favoritismo, predisposição ou preconceito.
…...................................................................................................
Art. 15. A integridade de conduta do magistrado fora do
âmbito estrito da atividade jurisdicional contribui para uma
fundada confiança dos cidadãos na judicatura.
Art. 16. O magistrado deve comportar-se na vida privada
de modo a dignificar a função, cônscio de que o exercício da
atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais
distintas das acometidas aos cidadãos em geral.
Art. 17. É dever do magistrado recusar benefícios ou
vantagens de ente público, de empresa privada ou de pessoa física que
possam comprometer sua independência funcional.
Art. 18. Ao magistrado é vedado usar para fins privados, sem
autorização, os bens públicos ou os meios disponibilizados para o
exercício de suas funções.
Art. 19. Cumpre ao magistrado adotar as medidas
necessárias para evitar que possa surgir qualquer dúvida
razoável sobre a legitimidade de suas receitas e de sua situação
econômico-patrimonial. (…).” (grifei)
Em suma: tais são as razões que me levam, em juízo de sumária
cognição, a indeferir o pedido de medida cautelar, rememorando, por
oportuno, que a outorga de provimento liminar, resultante do concreto
exercício do poder geral de cautela conferido aos juízes e Tribunais,
somente se justifica em face de situações que se ajustem aos
pressupostos referidos no art. 7º, III, da Lei nº 12.016/2009: a existência de
plausibilidade jurídica (“fumus boni juris”), de um lado, e a possibilidade
de lesão irreparável ou de difícil reparação (“periculum in mora”), de outro.
Sem que concorram esses dois requisitos – que são necessários,
essenciais e cumulativos –, não se legitima a concessão da medida
liminar, consoante enfatiza a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
“Mandado de segurança. Liminar. Embora esta medida
tenha caráter cautelar, os motivos para a sua concessão estão
especificados no art. 7º, II, da Lei nº 1.533/51, a saber:
a) relevância do fundamento da impetração; b) que do ato
impugnado possa resultar a ineficácia da medida, caso seja
deferida a segurança.
Não concorrendo estes dois requisitos, deve ser denegada a liminar.”
(RTJ 112/140, Rel. Min. ALFREDO BUZAID – grifei)
Consideradas, portanto, as razões que venho de expor, tenho por
inocorrente, na espécie, ao menos em juízo de estrita delibação, a plausibilidade
jurídica da pretensão cautelar ora em análise.
Sendo assim, e sem prejuízo de ulterior reexame da pretensão
mandamental deduzida na presente sede processual, indefiro o pedido de
medida liminar.
2. Esta decisão é por mim proferida no exercício eventual da
Presidência do Supremo Tribunal Federal, em face da ausência
transitória, no território brasileiro, dos eminentes Senhores Ministros
Presidente e Vice-Presidente desta Corte (RISTF, art. 37, I, c/c o art. 13,
VIII).
3. Comunique-se, encaminhando-se cópia da presente decisão aos
eminentes Senhores Ministros Presidente do Conselho Nacional de
Justiça e Corregedor Nacional de Justiça.
Publique-se.
Brasília, 08 de julho de 2013.
Ministro CELSO DE MELLO
Relator
(RISTF, art. 37, I)
Fonte: STF
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Maria da
Glória Perez Delgado Sanches
Membro Correspondente da ACLAC –
Academia Cabista de Letras, Artes e Ciências de Arraial do Cabo, RJ.
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