Nestor Duarte discorre sobre o tema in Código Civil Comentado, in verbis: "É necessária a concorrência dos seguintes elementos: a) assunção de obrigação excessivamente onerosa; b) existência de iminente risco à pessoa, real ou fundamentadamente suposto; c)...
conhecimento do risco pela parte que se beneficia".
Acórdão: Apelação Cível n. 2009.01.1.131463-2, de Brasília.
Relator: Des. Lecir Manoel da Luz.
Data da decisão: 29.02.2012.EMENTA: AÇÃO DE RESSARCIMENTO – ATENDIMENTO DE EMERGÊNCIA – HOSPITAL PARTICULAR – DIREITO À SAÚDE – ESTADO DE PERIGO – RESPONSABILIZAÇÃO ESTATAL E DO HOSPITAL – RECURSO DESPROVIDO. I – O direito à saúde configura direito social de todos e dever do Estado, conforme previsão dos arts. 6º e 196 da Constituição Federal de 1988, devendo ser “garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. No entanto, todas as normas constitucionais dispõem, ao menos, de eficácia mínima, não podendo seu conteúdo ser totalmente esvaziado de significado. Dessa forma, ainda que seja dever do Estado assegurar tratamento à saúde a todos, o ente federado, tampouco o nosocômio particular podem ser responsabilizados pelo pagamento das despesas médico-hospitalares relativas ao tratamento realizado em rede particular, se este foi opção da paciente, sem ao menos procurar por este na rede pública de saúde. II – Segundo o disposto no art. 156 do Código Civil, “Configura-se estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa” Contudo, in casu, não se verifica o pressuposto da onerosidade excessiva, uma vez que esta não pode ser presumida, pois não há comprovação de que o hospital apelado se aproveitou da situação de desespero da apelante e de seus familiares com vistas à vantagem indevida. III - Em que pese a declaração de hipossuficiência da apelante na qual afirma que não possui condições de arcar com as despesas processuais, não é a situação que se verifica nos autos, razão pela qual deve subsistir a condenação relativa à sucumbência. ACÓRDÃO
Acordam os Senhores Desembargadores da 1ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, LECIR MANOEL DA LUZ - Relator, TEÓFILO CAETANO - Revisor, LEILA ARLANCH - Vogal, sob a Presidência do Senhor Desembargador LECIR MANOEL DA LUZ, em proferir a seguinte decisão: CONHECER E NEGAR PROVIMENTO, UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.
Brasília (DF), 29 de fevereiro de 2012
Desembargador LECIR MANOEL DA LUZ
Relator
RELATÓRIO
VAS interpõe apelação contra a r. sentença que julgou improcedentes o pedido de ressarcimento de despesas médicas ajuizado em desfavor do Hospital Santa Lúcia S/A e do Distrito Federal, condenando-a ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, arbitrados em R$ 2.000,00 (dois mil reais).
Às fls. 271/285, apresenta as razões de seu inconformismo, requerendo a reforma da r. sentença, no sentido de dar provimento ao pedido de ressarcimento das despesas médicas com sua internação no Hospital Santa Lúcia, bem como que seja desobrigada ao pagamento dos ônus da sucumbência.
Preparo regular, à fl. 286.
Contrarrazões do Hospital Santa Lúcia às fls. 294/304.
Contrarrazões do Distrito Federal às fls. 305/309.
É o relatório.
VOTOS
O Senhor Desembargador LECIR MANOEL DA LUZ - Relator
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
VAS interpõe apelação contra a r. sentença que julgou improcedentes o pedido de ressarcimento de despesas médicas ajuizado em desfavor do Hospital Santa Lúcia S/A e do Distrito Federal, condenando-a ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, arbitrados em R$ 2.000,00 (dois mil reais).
Alega que em razão do estado emergencial em que se encontrava foi encaminhada ao Hospital Santa Lúcia, por ausência de vaga na rede pública de saúde, no qual foi tratada mediante intervenção cirúrgica cardíaca, sendo cobrado para tanto valor superior a R$ 40.000,00 (quarenta mil reais).
Diz que o direito à saúde é constitucional e consiste dever do Estado resguardá-lo, de forma que é legítima a pretensão ao ressarcimento do montante despendido no tratamento que não foi oferecido em nosocômio público pela situação precária em que se encontram os hospitais do Distrito Federal.
Invoca o princípio da dignidade da pessoa humana, assim como o caráter emergencial e o estado de perigo em que se encontrava para fundamentar o pedido de ressarcimento.
Aduz que é parte hipossuficiente, o que inviabiliza o pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios a que foi condenada.
Requer a reforma da r. sentença, no sentido de dar provimento ao pedido de ressarcimento das despesas médicas com sua internação no Hospital Santa Lúcia, bem como que seja desobrigada ao pagamento dos ônus da sucumbência.
Notadamente, o direito à saúde encontra-se no campo das normas programáticas, configurando direito social de todos e dever do Estado, conforme previsão do arts. 6º e 196 da Constituição Federal, devendo ser “garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
No entanto, todas as normas constitucionais dispõem, ao menos, de eficácia mínima, não podendo seu conteúdo ser totalmente esvaziado de significado.
Da análise dos autos vejo que os familiares da apelante por opção própria levaram-na ao hospital particular, não podendo ser atribuído ao Distrito Federal a responsabilidade pelo valor dos serviços prestados.
Dessa forma, ainda que seja dever do Estado assegurar tratamento à saúde a todos, o ente federado, tampouco o nosocômio particular podem ser responsabilizados pelo pagamento das despesas médico-hospitalares relativas ao tratamento realizado em rede particular, se este foi opção da paciente.
Ademais, a recorrente não anexou aos autos documentos que comprovem que procurou a rede pública, e, nesta, não recebeu o tratamento adequado.
Desta feita, a alegação da apelante de que as despesas devem ser suportadas pelo Estado, haja vista a insuficiência de vagas na rede pública pela situação precária notória em que esta se encontra, não deve prosperar.
Sobre o tema colaciono o seguinte julgado, verbis:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. PAGAMENTO DE DESPESAS MÉDICO-HOSPITALARES. PACIENTE INTERNADO EM REDE PARTICULAR. OMISSÃO DO ESTADO NÃO CARACTERIZADA. OPÇÃO DO PACIENTE.
1. Ainda que seja dever do Estado assegurar tratamento à saúde a todos, o ente federado não pode ser responsabilizado pelo pagamento das despesas médico-hospitalares relativas ao tratamento realizado em rede particular, se este foi opção do paciente.
2. Não demonstrada a omissão do Estado de promover os meios necessários ao regular atendimento médico, inviável se mostra a pretendida responsabilização pelo alto custo dos serviços prestados.
3. Recurso conhecido e improvido.”
(AGI 2009.00.2.002683-2, Relator Des. SANDOVAL OLIVEIRA, 4ª Turma Cível, julgado em 13/5/2009, DJ 8/6/2009, p. 101).
De outro giro, a tese em torno do ressarcimento das despesas hospitalares em virtude da ocorrência do estado de perigo também não encontra guarida.
Segundo o disposto no art. 156 do Código Civil, “Configura-se estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa”.
Nestor Duarte discorre sobre o tema in Código Civil Comentado, in verbis:
“É necessária a concorrência dos seguintes elementos: a) assunção de obrigação excessivamente onerosa; b) existência de iminente risco à pessoa, real ou fundamentadamente suposto; c) conhecimento do risco pela parte que se beneficia”.
Em relação ao iminente risco à pessoa da família e ao conhecimento do risco pelo hospital não há se falar em controvérsia, haja vista que foi constatada gravidade no quadro clínico da apelante quando foi submetida a colocação de stent em artéria coronariana após acometimento de infarto agudo do miocárdio, permanecendo dois dias e meio internada em UTI e três dias no quarto do Hospital Santa Lúcia.
Contudo, não se verifica o pressuposto da onerosidade excessiva, uma vez que esta não pode ser presumida, pois não há comprovação de que o hospital se aproveitou da situação de desespero da apelante com vistas à vantagem indevida.
Nesse prisma, o estado de perigo deve ser afastado.
Confira-se o entendimento desta Corte de Justiça, nesse sentido, in litteris:
“AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO HOSPITALAR. ESTADO DE PERIGO. OBRIGAÇÃO EXCESSIVAMENTE ONEROSA.
I – A falta de prova de que a obrigação imposta ao réu é excessivamente onerosa descaracteriza o estado de perigo, motivo por que é válido o contrato de prestação de serviços hospitalares firmado entre as partes e persiste o débito que dele decorre.
II – Apelação conhecida e provida. Unânime.”
(APC 2005.01.1.075865-3, Relatora Des.ª VERA ANDRIGHI, 4ª Turma Cível, julgado em 6/9/2006, DJ 28/9/2006, p. 86).
“CIVIL. COAÇÃO. ESTADO DE PERIGO. DESPESAS HOSPITALARES. COBRANÇA. PARCELAMENTO DA DÍVIDA.
1 – Não há coação no ato de hospital particular que cobra os serviços prestados antes de liberar o paciente que, internado em suas dependências por mais de 20 dias, deles usufruiu.
2 – O estado de perigo pressupõe onerosidade excessiva que, se não provada, inviabiliza a anulação do negócio jurídico com esse fundamento.
3 – Apelação não provida.”
(APC 2005.01.1.107255-4, Relator Des. JAIR SOARES, 6ª Turma Cível, julgado em 27/8/2008, DJ 3/9/2008, p. 119).
Ademais, como bem salientado na r. sentença recorrida, “o que se busca (...) é que o Poder Público pague os custos do tratamento no setor privado, o que violaria o princípio da igualdade, posto que à autora caberia primeiramente procurar tratamento na rede pública de saúde. Assim, (...) somente é dever do Poder Público custear o tratamento na rede privada quando não puder oferecer tratamento similar em um de seus hospitais, e não é o caso dos autos.” (fl. 265)
No que se refere à hipossuficiência da apelante, verifico que, apesar de constar nos autos, à fl. 16, declaração de hipossuficiência, quando esta foi instada a comprovar seus rendimentos, à fl. 115, as custas iniciais foram pagas (fl. 121), sem contar que as despesas hospitalares no montante aproximadamente de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) foram quitadas pela recorrente e seus familiares.
Dessa forma, em que pese a afirmação de que não possui condições de arcar com as despesas processuais, não é a situação que se verifica nos autos, razão pela qual deve subsistir a condenação relativa à sucumbência.
Frente às razões supra, NEGO PROVIMENTO ao recurso, mantendo inalterada a r. sentença apelada.
É como voto.
O Senhor Desembargador TEÓFILO CAETANO - Revisor
VOTO: COM O RELATOR.
A Senhora Desembargadora LEILA ARLANCH - Vogal
Com o Relator.
DECISÃO
CONHECER E NEGAR PROVIMENTO, UNÂNIME.
1 DUARTE, Nestor e outros. Código Civil Comentado. 2ª ed., rev. Manole, pág. 123.
FONTE: TJDFT
Maria da Glória Perez Delgado Sanches
Membro Correspondente da ACLAC – Academia Cabista de Letras, Artes e Ciências de Arraial do Cabo, RJ.
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