Foram aprovados, em sessão plenária, 46 novos
enunciados, na VI Jornada de Direito Civil, realizada entre 11 e 12 de
março, pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal
(CEJ/CJF) e patrocinada pelo Superior Tribunal de Justiça, que delineiam a
interpretação atual da doutrina e da jurisprudência sobre artigos do Código
Civil.
São dez enunciados sobre a Parte Geral do
Código Civil, dez sobre Obrigações e Contratos, 13 sobre Responsabilidade
Civil, sete sobre Coisas e seis sobre Família e Sucessões.
PARTE GERAL
COORDENADOR: ROGÉRIO MENESES FIALHO
MOREIRA
ENUNCIADO 530 – A emancipação, por si só, não
elide a incidência do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Artigo: 5°, parágrafo único, do Código
Civil
Justificativa: A emancipação, em que pese assegurar a
possibilidade de realizar pessoalmente os atos da vida civil por aqueles
que não alcançaram a maioridade civil, não tem o condão,...
isoladamente
considerada, de afastar as normas especiais de caráter protetivo, notada mente o Estatuto da Criança
e do Adolescente.
O Estatuto da Criança e do Adolescente
insere-se em um contexto personalista, garantindo tutela jurídica
diferenciada em razão da vulnerabilidade decorrente do grau
de discernimento incompleto. Assim, a antecipação da aquisição da
capacidade de fato pelo adolescente não significa que ele tenha alcançado
necessariamente o desenvolvimento para afastar as regras especiais.
ENUNCIADO 531 – A tutela da dignidade da
pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento.
Artigo: 11 do Código Civil
Justificativa: Os danos provocados pelas novas tecnologias
de informação vêm-se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento
tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como
parcela importante do direito do exdetento à ressocialização. Não atribui a
ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas
apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo
e a finalidade com que são lembrados.
ENUNCIADO 532 – É permitida a disposição
gratuita do próprio corpo com objetivos exclusivamente científicos, nos termos dos arts. 11 e
13 do Código Civil.
Artigos: 11 e 13 do Código Civil
Justificativa: Pesquisas com seres humanos vivos são
realizadas todos os dias, sem as quais não seria possível o
desenvolvimento da medicina e de áreas afins. A Resolução CNS n. 196/96, em
harmonia com o Código de Nuremberg e com a Declaração de Helsinque, dispõe
que pesquisas envolvendo seres humanos no Brasil somente podem ser realizadas
mediante aprovação prévia de um Comitê de Ética em Pesquisa – CEP,
de composição multiprofissional, e com a assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido –TCLE pelo participante da pesquisa, no
qual devem constar informações claras e relevantes acerca do objeto da
pesquisa, seus benefícios e riscos, a gratuidade pela participação, a
garantia de reparação dos danos causados na sua execução e a faculdade de
retirada imotivada do consentimento a qualquer tempo sem prejuízo para sua pessoa.
ENUNCIADO 533 – O paciente plenamente capaz
poderá deliberar sobre todos os aspectos concernentes a tratamento médico
que possa lhe causar risco de vida, seja imediato ou mediato, salvo as
situações de emergência ou no curso de procedimentos médicos cirúrgicos que não possam
ser interrompidos.
Artigo: 15 do Código Civil
Justificativa: O crescente reconhecimento da autonomia da
vontade e da autodeterminação dos pacientes nos processos de tomada de
decisão sobre questões envolvidas
em seus tratamentos de saúde é uma das marcas do final do século XX.
Essas mudanças vêm-se consolidando até os dias
de hoje. Inúmeras manifestações nesse sentido podem ser identificadas, por
exemplo, a modificação do Código de Ética Médica e a aprovação da
resolução do Conselho Federal de Medicina sobre diretivas antecipadas de
vontade. O reconhecimento da autonomia do paciente repercute social
e juridicamente nas relações entre médico e paciente, médico e família do
paciente e médico e equipe
assistencial.
O art. 15 deve ser interpretado na perspectiva
do exercício pleno dos direitos da personalidade, especificamente no
exercício da autonomia da vontade. O “risco de vida” será inerente a
qualquer tratamento médico, em maior ou menor grau de frequência. Por essa
razão, não deve ser o elemento complementar do suporte fático para a
interpretação do referido
artigo.
Outro ponto relativo indiretamente à
interpretação do art. 15 é a verificação de como o processo de
consentimento informado deve ser promovido para adequada informação
do paciente. O processo de consentimento pressupõe o compartilhamento
efetivo de informações e a
corresponsabilidade na tomada de decisão.
ENUNCIADO 534 – As associações podem
desenvolver atividade econômica, desde que não haja finalidade lucrativa.
Artigo: 53 do Código Civil
Justificativa: Andou mal o legislador ao redigir o caput do
art. 53 do Código Civil por ter utilizado o termo genérico “econômicos” em
lugar do específico “lucrativos”. A dificuldade está em que o adjetivo
“econômico” é palavra polissêmica, ou seja, possuidora de
vários significados (econômico pode ser tanto atividade produtiva quanto
lucrativa). Dessa forma, as pessoas que entendem ser a atividade econômica
sinônimo de atividade produtiva defendem ser descabida a redação do caput
do art. 53 do Código Civil por ser pacífico o fato de as associações
poderem exercer atividade produtiva. Entende-se também que o legislador
não acertou ao mencionar o termo genérico “fins não econômicos” para expressar sua espécie “fins
não lucrativos.
ENUNCIADO 535 – Para a existência da pertença,
o art. 93 do Código Civil não exige elemento subjetivo como requisito para o ato de
destinação.
Artigo: 93 do Código Civil
Justificativa: Parte da doutrina pátria tem sustentado que,
para a qualificação de determinada coisa como pertença, é necessária a
existência de requisito subjetivo. O requisito subjetivo existiria
assentado em ato de vontade do titular da coisa principal ao destinar
determinada coisa para atender a finalidade econômico-social de outra. Esse ato, chamado
de ato de afetação, é classificado ou como ato jurídico stricto sensu,
segundo alguns, ou como negócio jurídico. Entretanto, não se pode pensar o
instituto das pertenças com os olhos voltados ao instituto dos imóveis por
destinação, na forma como foi regrado no inc. III do art. 43 do Código
Civil ab-rogado, em que era exigido do proprietário de coisa móvel o
elemento intencional para que fosse concretizado o referido suporte
fático. O legislador pátrio não impôs, ao tratar da pertença nos arts. 93 e
art. 94 do Código Civil, o elemento volitivo como requisito para
configurar a destinação de certa coisa para atender a função
econômico-social de coisa principal ou ser a destinação efetuada pelo
proprietário. Pela concreção dos elementos do suporte fático do art. 93
do Código Civil, a relação de pertinência é tutelada de modo objetivo.
Dessarte, sendo irrelevante a vontade de quem pratica o ato da destinação,
importando tão somente o fato de submeter determinada coisa, de modo
duradouro, ao fim econômico-social de outra, a destinação tem de ser
classificada como ato-fato jurídico. Bastará à realização dessa destinação ter o destinador o poder fático de
dispor da coisa principal e da coisa a ser pertença. Não é preciso que seja
dono da coisa principal ou da coisa a ser pertença nem que as
possua.
ENUNCIADO 536 – Resultando do negócio jurídico
nulo consequências patrimoniais capazes de ensejar pretensões, é possível,
quanto a estas, a incidência
da prescrição.
Artigo: 169 do Código Civil
Justificativa: Parece preponderar na doutrina pátria, não
sem discordância respeitável, o entendimento de que não há prescrição da
pretensão ao reconhecimento de nulidade em negócio jurídico, embora os
seus adeptos optem pela apresentação de fundamentos distintos. Nesse
sentido, argumenta-se que a ação de nulidade é de natureza constitutiva e,
quando não se encontra submetida a prazo decadencial específico, é
imprescritível. Na direção contrária, sustenta-se que, quanto às
nulidades, a ação manejável é a declaratória, insuscetível de prescrição
ou decadência.
O tema, na seara pretoriana, ainda não recebeu
tratamento uniforme, havendo precedentes tanto pela sujeição à prescrição
com a aplicação do prazo geral, quanto pela imprescritibilidade.
A redação do art. 169 do Código Civil, ao
explicitar que o negócio jurídico eivado de nulidade não subsiste pelo
decurso do tempo, favorece a corrente da imprescritibilidade por qualquer
dos raciocínios acima, principalmente diante do fato de que o art. 179,
em complemento, somente estabelece o prazo genérico de decadência para as
hipóteses de negócios anuláveis.
Considerada como premissa a
imprescritibilidade, deve-se proceder à diferenciação entre o pleito
tendente unicamente ao reconhecimento da invalidade dos efeitos patrimoniais dela
decorrentes. Quanto a estes, não se pode desconhecer a possibilidade
de surgimento de pretensão, de modo a tornar inelutável a incidência da
prescrição.
ENUNCIADO
537 – A previsão contida no art. 169 não impossibilita
que, excepcionalmente, negócios jurídicos nulos produzam efeitos a serem
preservados quando justificados por interesses merecedores de
tutela.
Artigo: 169 do Código Civil
Justificativa: A tradição jurídica brasileira afirma que a
nulidade, por ser vício insanável, com fundamento na ordem pública, conduz
à absoluta ineficácia do negócio jurídico, sendo o art. 169 a referência
para esse raciocínio. No entanto, o próprio CC relativiza essa conclusão
ao reconhecer, em diversos dispositivos, a possibilidade de negócios nulos
produzirem efeitos merecedores de tutela pelo ordenamento (ex.: art. 182, que,
ao dispor sobre a indenização com o equivalente, considera que o negócio
nulo pode ter produzido efeitos perante terceiros de boa-fé; e art. 1.561,
que assegura ao casamento putativo a produção de efeitos até o
reconhecimento da invalidade). A jurisprudência do STJ também relativiza a
regra do art. 169 em casos em que a ordem social justifica a preservação
dos efeitos produzidos pelo ato nulo, como ocorre na “adoção à
brasileira”.
Além disso, o CC consagrou o princípio da
preservação do negócio jurídico nulo e anulável nos arts. 170, 172 e 184,
impondo-se que se busque, sempre que possível, a conservação dos negócios
e seus efeitos de modo a proteger os que, de boa-fé, confiaram na estabilidade
das relações jurídicas e também a prestigiar a função social do contrato.
É necessário, assim, reler a tese da ineficácia absoluta da nulidade à luz
dos valores e interesses envolvidos no caso concreto, sendo certo que
somente se justifica a incidência do art. 169 quando o interesse
subjacente à causa da nulidade se mostrar mais relevante para o
ordenamento do que o interesse social na preservação do negócio jurídico,
competindo ao juízo de merecimento de tutela, por meio do controle funcional
da invalidade, o reconhecimento dos efeitos decorrentes do negócio
nulo.
ENUNCIADO
538 – No que diz respeito a terceiros eventualmente prejudicados, o prazo
decadencial de que trata o art. 179 do Código Civil não se conta
da celebração do negócio jurídico, mas da ciência que dele tiverem.
Artigo: 179 do Código Civil.
Justificativa: O art. 178 do Código Civil, embora
estabeleça o mesmo prazo decadencial para todos os casos de anulabilidade
previstos, de forma agrupada, no art. 171, ou seja, 4 (quatro) anos, prevê
termos iniciais distintos, a depender da hipótese versada. Assim é que,
havendo erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, o prazo
para pleitear a anulação se conta da celebração do negócio jurídico. Já na
hipótese de coação, o prazo tem início no "dia em que ela
cessar", ao passo que, em se tratando de ato praticado por incapaz, o
dies a quo é o da cessação da incapacidade.
O art. 179, por seu turno, versando sobre os
demais casos de anulabilidade dispersos pelo código, unifica não apenas o
prazo para demandar a anulação – 2 (dois) anos –, mas também seu termo a
quo, que coincidirá, em todas aquelas hipóteses, com a "data
da conclusão do ato", salvo disposição legal em contrário.
Sucede que, entre as anulabilidades espalhadas
pelo Código, há aquelas que resultam da proteção dispensada a interesses
de terceiros não envolvidos na celebração do negócio jurídico. É o que ocorre,
v.g., na venda de ascendente a descendente sem a anuência dos demais
descendentes do alienante (CC/2002, art. 496).
Ora, exatamente porque os descendentes,
enquanto vivo o autor da herança, não são credores dos respectivos
quinhões (tendo, em relação a estes, apenas expectativa), não se pode
exigir deles nenhuma postura de "vigilância" sobre os atos de seus
ascendentes.
Daí não ser incomum que a celebração de compra
e venda com infringência ao art. 496 do Código Civil apenas venha ao
conhecimento dos prejudicados anos depois, quando da abertura da sucessão.
Frustra-se, assim, por inação, que não se pode imputar a eventual desídia
dos interessados, a finalidade da regra.
Desse modo, a fim de resguardar a efetividade
dos dispositivos legais a que se aplica o prazo decadencial previsto no
art. 179 do Código Civil, é razoável e conveniente que se lhe dê a
interpretação proposta.
ENUNCIADO
539 – O abuso de direito é uma categoria jurídica autônoma em relação à
responsabilidade civil. Por isso, o exercício abusivo de posições
jurídicas desafia controle independentemente de dano.
Artigo: 187 do Código Civil
Justificativa: A indesejável vinculação do abuso de direito
a responsabilidade civil, consequência de uma opção legislativa equívoca,
que o define no capítulo relativo ao ato ilícito (art. 187) e o refere
especificamente na obrigação de indenizar (art. 927 do CC), lamentavelmente
tem subtraído bastante as potencialidades dessa categoria jurídica
e comprometido a sua principal função (de controle), modificando-lhe
indevidamente a estrutura.
Não resta dúvida sobre a possibilidade de a
responsabilidade civil surgir por danos decorrentes do exercício abusivo
de uma posição jurídica. Por outro lado, não é menos possível o exercício
abusivo dispensar qualquer espécie de dano, embora, ainda assim, mereça
ser duramente coibido com respostas jurisdicionais eficazes. Pode haver abuso sem
dano e, portanto, sem responsabilidade civil.
Será rara, inclusive, a aplicação do abuso
como fundamento para o dever de indenizar, sendo mais útil admiti-lo como
base para frear o exercício. E isso torna a aplicação da categoria
bastante cerimoniosa pela jurisprudência, mesmo após uma década de
vigência do código.
O abuso de direito também deve ser utilizado
para o controle preventivo e repressivo. No primeiro caso, em demandas
inibitórias, buscando a abstenção de condutas antes mesmo de elas
ocorrerem irregularmente, não para reparar, mas para prevenir a ocorrência do
dano. No segundo caso, para fazer cessar (exercício inadmissível) um ato ou
para impor um agir (não exercício inadmissível). Pouco importa se haverá
ou não cumulação com a pretensão de reparação civil.
OBRIGAÇÕES E CONTRATOS
COORDENADORES: ANA DE OLIVEIRA FRAZÃO
e PAULO ROQUE KHOURI
ENUNCIADO
540 – Havendo perecimento do objeto da prestação indivisível por culpa de
apenas um dos devedores, todos respondem, de maneira divisível, pelo equivalente
e só o culpado, pelas perdas e danos.
Artigo: 263 do Código Civil
Justificativa: O art. 263 do CC, em seu § 2º, ao tratar da
perda do objeto da obrigação indivisível, prevê que, “se for de um só a
culpa, ficarão exonerados os outros, respondendo só esse pelas perdas e
danos”.
A grande maioria da doutrina (Álvaro Villaça
Azevedo, Maria Helena Diniz, Sílvio de Salvo Venosa, Nelson Rosenvald e
Cristiano Chaves de Farias), interpretando o § 2º de acordo com o caput do
art. 263 (“Perde a qualidade de indivisível a obrigação que se resolver
em
perdas e danos”), afirma que, havendo perda da
prestação por culpa de apenas um dos devedores, não há isenção ou redução
da responsabilidade dos demais, que, de maneira divisível, respondem pelo
equivalente e só o culpado, pelas perdas danos.
Nesse sentido, Sílvio de Salvo Venosa afirma:
“mas pelo valor da prestação, evidentemente, responderão TODOS” (Direito
Civil, v. 2, 11ª ed. São Paulo: Atlas, p. 108).
Diante da clareza da doutrina e da lógica do
sistema, o enunciado só tem razão de ser em virtude da discordância de
Flávio Tartuce: “Entendemos que a exoneração mencionada no parágrafo em
análise é total, eis que atinge tanto a obrigação em si quanto a
indenização suplementar” (Direito Civil, 4ª ed. São Paulo: Método, v. 2,
p. 115).
ENUNCIADO
541 – O contrato de prestação de serviço pode ser gratuito.
Artigo: 594 do Código Civil
Justificativa: Há controvérsia doutrinária a respeito da
remuneração do prestador no contrato de prestação de serviços. Uma
corrente entende que não é possível, pois a remuneração do prestador é
sempre obrigatória. Nesse sentido: LISBOA, Roberto Senise, Manual de
Direito Civil, vol. 3, Contratos, 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p. 341;
ALVES, Jones Figueirêdo Alves, Novo Código Civil comentado, Coordenação:
Ricardo Fiúza, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 534; TARTUCE, Flávio, Manual
de Direito Civil: volume único, 2ª ed., Método, 2012, p. 685; e MELLO
FRANCO, Vera Helena de, Contratos: Direito Civil e Empresarial, 3ª ed.,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 128. Já a segunda admite que o
contrato de prestação de serviços possa ser gratuito, sendo necessário
apenas ajuste expresso. É como pensam Paulo Luiz Netto Lôbo (Código Civil
anotado, Coordenação: Rodrigo da Cunha Pereira, Síntese, 2002, p. 363)
e César Fiuza (Direito Civil: curso completo, 6ª ed., Belo Horizonte: Del
Rey, 2003, p. 436).
Apesar das considerações da primeira corrente,
a razão está com a segunda, porque, embora não seja presumida a prestação
de serviço gratuita, não há nenhum dispositivo legal que vede tal
possibilidade se as partes manifestarem expressamente tal desejo.
ENUNCIADO
542 – A recusa de renovação das apólices de seguro de vida pelas seguradoras
em razão da idade do segurado é discriminatória e atenta contra a função
social do contrato.
Artigos: 765 e 796 do Código Civil
Justificativa: Nos seguros de vida, o avanço da idade do
segurado representa agravamento do risco para a seguradora. Para se
precaverem, as seguradoras costumam estipular aumento dos prêmios conforme
a progressão da idade do segurado ou, simplesmente, comunicar-lhe, às
vésperas do término de vigência de uma apólice, o desinteresse na
renovação do contrato. Essa prática implica, em muitos casos, o alijamento
do segurado idoso, que, para contratar com nova seguradora, poderá encontrar
o mesmo óbice da idade ou enfrentar prêmios com valores inacessíveis.
A prática das seguradoras é abusiva, pois
contraria o art. 4º do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741, de 01/10/2003),
que dispõe: "Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência,
discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus
direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei". A prática
também é atentatória à função social do contrato.
A cobertura de riscos é da essência da
atividade securitária, assim como o mecanismo distributivo. Os cálculos
atuariais permitiriam às seguradoras diluir o risco agravado pela idade
entre toda a massa de segurados, equalizando os prêmios em todas as faixas
de idade, desde os mais jovens, sem sacrificar os mais idosos.
A recusa discriminatória de renovação dos
contratos de seguro representa abuso da liberdade de contratar das
seguradoras e atenta contra a função social do contrato de seguro, devendo,
como tal, ser coibida.
ENUNCIADO
543 – Constitui abuso do direito a modificação acentuada das condições do
seguro de vida e de saúde pela seguradora quando da renovação do contrato.
Artigo:765 do Código Civil
Justificativa: Os contratos de seguro de vida e de saúde
normalmente são pactuados por longo período de tempo. Nesses casos,
verificam-se relações complexas em que, muitas vezes, os consumidores se
tornam clientes cativos de determinado fornecedor. Tais situações não
podem ser vistas de maneira isolada, mas de modo contextualizado com a nova
sistemática contratual e com os novos paradigmas principiológicos.
Trata-se de consequência da massificação das
relações interpessoais com especial importância nas relações de consumo.
Parte-se da premissa de que a relação contratual deve responder a
eventuais mudanças de seu substrato fático ao longo do período contratual.
É uma aplicação do princípio da boa-fé objetiva, que prevê padrão de comportamento
leal entre as partes.
A contratação em geral ocorre quando o
segurado é ainda jovem. A renovação anual pode ocorrer por anos, às vezes
décadas. Se, em determinado ano, de forma abrupta e inesperada, a
seguradora condicionar a renovação a uma repactuação excessivamente onerosa
para o segurado, há desrespeito ao dever anexo de cooperação.
Dessa forma, o direito de renovar ou não o
contrato é exercido de maneira abusiva, em consonância com o disposto no
art. 187 do Código Civil.
Não se trata de impedimento ou bloqueio a
reajustes, mas de definir um padrão justo de reequilíbrio em que os
reajustes devam ocorrer de maneira suave e gradual. Aliás, esse é o
entendimento do STJ (Brasil, STJ, AgRg nos EDcl no Ag n. 1.140.960/RS,
relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgamento em 23/8/11;
REsp n. 1.073.595/MG, relatora Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção,
julgamento em 23/3/11).
ENUNCIADO
544 – O seguro de responsabilidade civil facultativo garante dois interesses,
o do segurado contra os efeitos patrimoniais da imputação de
responsabilidade
e o da vítima à indenização, ambos destinatários da garantia, com pretensão
própria e independente contra a seguradora.
Artigo: 787 do Código Civil
Justificativa: Embora o art. 421 do Código Civil faça
menção expressa à função social do contrato, ainda persiste, em relação ao
contrato de seguro de responsabilidade civil facultativo, no art. 787 do
mesmo diploma, a visão tradicional do princípio da relatividade dos contratos.
Na linha interpretativa clássica, no seguro de responsabilidade civil, a seguradora
só é obrigada a indenizar a vítima por ato do segurado senão depois de reconhecida
a responsabilidade deste. Como não há relação jurídica com a seguradora,
o terceiro não pode acioná-la para o recebimento da indenização.
Pela teoria do reembolso, aplicável neste
caso, o segurador garante o pagamento
das perdas e danos devidos a terceiro pelo segurado a terceiro quando este
for condenado em caráter definitivo. Por conseguinte, assume a seguradora
a obrigação contratual de reembolsar o segurado das quantias que ele
efetivamente vier a pagar em virtude da imputação de responsabilidade
civil que o atingir.
A regra acima, omissa no Código Civil de 1916,
ao invés de representar a evolução na concepção do contrato de seguro,
dotado de função social, corresponde ao paradigma de que o contrato não
pode atingir – seja para beneficiar ou prejudicar – terceiros que dele não
participaram.
No seguro de responsabilidade civil, o
segurado paga o prêmio à seguradora a fim de garantir eventual indenização
a terceiro por danos causados. De tal sorte, a vítima tem legitimidade
para pleitear diretamente do segurador o pagamento da indenização ou concomitantemente
com o segurado. Há, portanto, uma estipulação em favor de terceiro, que
somente será determinado se ocorrer o sinistro, tendo em vista a álea presente
nesse contrato.
Permite-se concluir que o seguro de
responsabilidade civil facultativo garante dois interesses, o do segurado
contra os efeitos patrimoniais da imputação de
responsabilidade e o da vítima à indenização,
ambos destinatários da garantia, com pretensão própria e independente
contra a seguradora.
ENUNCIADO
545 – O prazo para pleitear a anulação de venda de ascendente a descendente
sem anuência dos demais descendentes e/ou do cônjuge do alienante é de 2
(dois) anos, contados da ciência do ato, que se presume absolutamente, em se
tratando de transferência imobiliária, a partir da data do registro de
imóveis.
Artigos: 179 e 496 do Código Civil
Justificativa: O art. 496 do Código Civil não
estabeleceu prazo para o requerimento da anulação da venda de ascendente a
descendente, impondo ao intérprete a necessidade de conhecer o prazo
prescricional no capítulo que trata da invalidade do negócio jurídico.
No referido capítulo, por sua vez, encontra-se
a regra do art. 179, que assim dispõe: “Quando a lei dispuser que
determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a
anulação, será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato”. O
artigo, porém, limitou-se a dizer que o prazo inicia-se da conclusão do ato. A
regra, como está posta e por ser de ordem geral, não considera que, no
caso de compra e venda, a parte interessada muitas vezes tem ciência do
ato e, consequentemente, da sua conclusão. No caso de transferência
imobiliária, o termo a quo flui a partir do momento em que for realizado o
registro em nome do adquirente. O enunciado, no entanto, não exclui outras
hipóteses distintas da transferência imobiliária.
ENUNCIADO
546 – O § 2º do art. 787 do Código Civil deve ser interpretado em consonância
com o art. 422 do mesmo diploma legal, não obstando o direito à indenização
e ao reembolso.
Artigos: 787, § 2º, e 422
Justificativa: O § 2º do art. 787 (“É defeso ao segurado
reconhecer sua responsabilidade ou confessar a ação, bem como transigir
com o terceiro prejudicado, ou indenizá-lo diretamente, sem anuência
expressa do segurador”) não deve ser interpretado com o propósito de
obrigar os segurados a faltar com a verdade ou a criar obstáculos ao trâmite das
ações judiciais, uma vez que estão em jogo princípios de ordem pública, que
não podem ser suprimidos ou minimizados pela vontade das partes, conforme
defende parcela significativa da moderna doutrina securitária.
A vedação ao reconhecimento da
responsabilidade pelo segurado deve ser interpretada como a proibição que
lhe foi imposta de adotar posturas de má-fé perante a seguradora, tais
como provocar a própria revelia e/ou da seguradora, assumir indevidamente
a responsabilidade pela prática de atos que sabe não ter cometido, faltar
com a verdade com o objetivo de lesar a seguradora, agir ou não em conluio
com o suposto lesado/beneficiário, entre outras que venham a afetar os
deveres de colaboração e lealdade recíprocos. Caracteriza-se, portanto,
como valorização da cláusula geral da boafé objetiva prevista no art. 422 do
Código Civil.
Cumpre observar ainda que uma interpretação
estritamente literal de tal dispositivo legal pode prejudicar ainda mais o
segurado, que, nos casos de cumulação de responsabilidade civil e
criminal, deixa de se beneficiar de atenuantes, comprometendo, entre
outros aspectos, sua liberdade de defesa.
Enunciado
547 – Na hipótese de alteração da obrigação principal sem o consentimento
do fiador, a exoneração deste é automática, não se aplicando o
disposto
no art. 835 do Código Civil quanto à necessidade de permanecer obrigado pelo
prazo de 60 (sessenta) dias após a notificação ao credor, ou de 120 (cento
e dias) dias no caso de fiança locatícia.
Artigos: 366 e 835 do Código Civil e art. 40,
X, da Lei n. 8.245/1991
Justificativa: O objetivo do art. 366 e da Súmula n. 214 do
STJ (“O fiador na locação não responde por obrigações resultantes de
aditamento ao qual não anuiu”) é justamente o de proteger o fiador de
ficar responsável por algo ao qual não anuiu ou sobre o qual não manifestou
expressa concordância. Dessa forma, ocorrendo novação ou aditamento à obrigação
original após a notificação do fiador, estaria este liberado de imediato, sem
que pese sobre ele o prazo de 60 (sessenta) dias previsto no art. 835 do
Código Civil. Do contrário, estaria ele sujeito a responder por obrigações
às quais não anuiu, não concordou expressamente. Ora, durante esse prazo
excedente de 60 (sessenta) dias, já estariam vigentes as alterações feitas
entre credor e devedor principal, o que anularia em parte o benefício
conferido ao fiador de permitir-lhe exonerar-se da fiança na hipótese do art.
366 e da Súmula n. 214 do STJ. Tratando-se de fiança locatícia, aplica-se o
mesmo raciocínio em relação ao prazo de 120 (cento de vinte) dias previsto
no inciso X do art. 40 da Lei n. 8.245/1991.
Enunciado
548 – Caracterizada a violação de dever contratual, incumbe ao devedor o
ônus de demonstrar que o fato causador do dano não lhe pode ser imputado.
Artigo: 389 e 475 do Código Civil
Justificativa: O Direito, sistema composto por regras,
princípios e valores coerentes entre si, impõe que, tanto nas hipóteses de
mora e de inadimplemento da obrigação quanto nos casos de cumprimento
imperfeito desta, seja atribuído ao devedor – e, na última situação, ao
solvens –, o ônus de demonstrar que a violação do dever contratual não lhe
pode ser imputada.
Enunciado
549 – A promessa de doação no âmbito da transação constitui obrigação positiva
e perde o caráter de liberalidade previsto no art. 538 do Código Civil.
Artigo: 538 do Código Civil
Justificativa: Na jurisprudência, comum é a
identificação de que, nos casos em que a promessa de doação é realizada no
âmbito de uma transação relacionada a pacto de dissolução de sociedade
conjugal, inexiste a possibilidade de retratação do doador (precedentes do STJ:
REsp n. 742.048/RS, relator Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado
em 14/4/2009, DJe de 24/4/2009; REsp n. 853.133/SC, relator Ministro
Humberto Gomes de Barros, relator para o acórdão Ministro Ari Pargendler,
Terceira Turma, julgado em 6/5/2008, DJe de 20/11/2008). Todavia, inegável
é que a promessa expressa vontade negocial e, no âmbito da autonomia, não
é sustentável restringir tal possibilidade somente aos negócio s
bilaterais comutativos e onerosos. É, pois, legítimo cogitar-se de
promessa de cumprir liberalidade que, após a chancela estatal, deixa de
apresentar tal caráter.
RESPONSABILIDADE CIVIL
COORDENADOR: PAULO DE TARSO SANSEVERINO
ENUNCIADO
550 – A quantificação da reparação por danos extrapatrimoniais não deve
estar sujeita a tabelamento ou a valores fixos.
Artigos: 186 e 944 do Código Civil
Justificativa: “Cada caso é um caso”. Essa frase, comumente
aplicada na medicina para explicar que o que está descrito nos livros pode
diferir da aplicação prática, deve ser trazida para o âmbito jurídico, no
tocante aos danos morais. Há três anos, o STJ buscou parâmetros para
uniformizar os valores dos danos morais com base em jurisprudências e fixou
alguns valores, por exemplo, para os casos de morte de filho no parto (250
salários) e paraplegia (600 salários). Da análise desse fato, devemos
lembrar que a linha entre a indenização ínfima e o enriquecimento sem causa
é muito tênue; entretanto, a análise do caso concreto deve ser sempre
priorizada. Caso contrário, corremos o risco de voltar ao tempo da Lei das
XII Tábuas, em que um osso quebrado tinha um valor e a violência moral,
outro. Quando um julgador posiciona-se acerca de um dano moral, deve
atentar para alguns pontos, entre os quais a gravidade do fato, a extensão
do dano, a posição social e profissional do ofendido, a condição
financeira do agressor e do agredido, baseando-se nos princípios da razoabilidade,
equidade e proporcionalidade, além da teoria do desestímulo. Dessa forma,
a chance de resultados finais serem idênticos é praticamente nula. O juiz
não pode eximir-se do seu dever de analisar, calcular e arbitrar a
indenização dentro daquilo que é pretendido entre as partes. Assim,
considerando o que temos exposto, conclui-se que não deve existir
limitação prévia de valores, sob o risco de fomentarmos a diabólica
indústria do dano moral.
ENUNCIADO
551 – Nas violações aos direitos relativos a marcas, patentes e desenhos
industriais, será assegurada a reparação civil ao seu titular, incluídos tanto
os danos patrimoniais como os danos extrapatrimoniais.
Artigos: 186, 884, 927 e 944 do Código
Civil
Justificativa: A relevância da temática está, inicialmente,
no fato de existir ainda hoje discussão doutrinária a respeito da natureza
jurídica dos direitos da propriedade industrial.
Além disso, uma vez verificada a infração ao
direito da propriedade, é fundamental que se estabeleça a devida reparação
pelos danos causados ao seu detentor, mormente porque essa espécie de
lesão se reflete seja na esfera patrimonial, com a redução nas vendas de um
produto ou serviço, seja na esfera moral, com prejuízos para a imagem do
produto ou serviço através de mácula a sua reputação, de associação com
outro de qualidade inferior ou cujo conceito é moralmente reprovável pela
sociedade, de ofuscamento da sua distintividade e/ou de adulteração do seu
conceito (teoria da diluição). Por fim, é evidente o enriquecimento
ilícito daquele que se aproveita do direito de propriedade alheio sem mencionar
as perdas impostas à sociedade pelo atraso no desenvolvimento de tecnologias,
do desestímulo ao processo criativo e da limitação na oferta de produtos
e serviços, em flagrante afronta ao que estabelece o princípio da função
social da propriedade.
ENUNCIADO
552 – Constituem danos reflexos reparáveis as despesas suportadas pela
operadora de plano de saúde decorrentes de complicações de procedimentos por
ela não cobertos.
Artigo: 786, caput, do Código Civil
Justificativa: A proposta de enunciado parte da mesma ideia
do previsto no caput do art. 786 do Código Civil para as seguradoras,
questão pacífica em nosso ordenamento. A Súmula n. 10 da Agência Nacional
de Saúde impõe que as operadoras de planos de saúde arquem com as despesas
médicas oriundas de complicações de procedimentos não cobertos, em virtude
do princípio da preservação da vida, órgão ou função do paciente. Ocorre
que muitas dessas complicações surgem em virtude de vícios nos materiais
utilizados no procedimento, por erro médico ou por condições inadequadas
das clínicas e dos hospitais, tais como infecção hospitalar ou falta de
equipamentos.
Considerando que o art. 35-F da Lei n.
9.656/1998 determina que a assistência prestada pelas operadoras de planos
de assistência à saúde compreende todas as ações necessárias à prevenção
da doença e à recuperação, manutenção e reabilitação da saúde, observados
os termos da referida lei e do contrato firmado entre as partes, nada mais
razoável do que a possibilidade de ressarcimento da operadora contra o
causador do dano em caso de culpa. É claro que qualquer procedimento
envolvendo a saúde do paciente incorre em riscos, que são minimizados
quando todas as medidas de segurança necessárias são utilizadas. Não se
pretende imputar responsabilidade aos médicos e estabelecimentos de
tratamento de saúde por complicações oriundas de casos fortuitos (por
exemplo, deficiência imunológica oriunda do próprio paciente ou da doença que
o acomete). O que se busca é atribuir a devida responsabilidade em caso de
não observância dos deveres de diligência e cuidado que envolvem a área da
saúde. Assim, a proposta serve para estabelecer aplicação analógica da
norma em comento por se tratar de situações semelhantes.
ENUNCIADO
553 – Nas ações de responsabilidade civil por cadastramento indevido nos
registros de devedores inadimplentes realizados por instituições financeiras,
a responsabilidade civil é objetiva.
Artigo: 927 do Código Civil
Justificativa: Há mais de seis anos foi julgada pelo
Supremo Tribunal Federal a ADI n. 2.591, relator Ministro EROS GRAU,
Tribunal Pleno (DJ de 13/4/2007, PP-00083, EMENT VOL-02271-01 PP-00055),
sendo o referido julgado verdadeiro marco jurídico nas relações privadas
entre os usuários e as instituições financeiras. No entanto, ainda hoje, há
resistência e timidez na aplicação às relações de natureza financeira do
regramento do microssistema normativo consumerista, especialmente no que
se refere à responsabilidade civil. Nos contratos bancários, são inúmeros
os desdobramentos contratuais que envolvem prestação de serviço,
especialmente quanto a procedimentos de registro no cadastro de devedores
inadimplentes. Não raro, esses serviços são prestados de forma indevida,
resultando em ações judiciais que visam à responsabilização civil das
instituições financeiras. Na praxe judicial, porém, invariavelmente, a
discussão é canalizada para averiguação da culpa da instituição financeira
nas suas mais variadas facetas, porém, sempre se busca arrimo no art. 927
do CC, tendente a induzir o magistrado a proceder à análise da culpa do
agente financeiro.
A referida operação de cadastramento, todavia,
não está, de modo algum, abrangida pela “definição dos custos das
operações ativas e a remuneração das operações passivas praticadas na
exploração da intermediação de dinheiro na econômica”, critério
delimitador para a não aplicação do microssistema normativo do CDC aos
contratos bancários.
Portanto, é necessário apontar o
direcionamento correto para averiguação da natureza da responsabilidade
civil das instituições financeiras, na qual não se perquire a culpa do agente
financeiro, tão somente a ocorrência de fato do serviço, cuja previsão não se encontra
no Código Civil, mas sim no art. 12 do CDC. Ante o exposto, é imperioso que
se discuta e se lance mão de enunciado capaz de abalizar a aplicação da
responsabilidade objetiva para a conduta das instituições financeiras no
que se refere ao cadastro indevido de devedores, afastando a discussão da
noção de culpa para aproximá-la da noção de fato do serviço.
ENUNCIADO
554 – Independe de indicação do local específico da informação a ordem
judicial para que o provedor de hospedagem bloqueie determinado conteúdo ofensivo
na internet.
Artigo: 927, parágrafo único, do Código
Civil
Justificativa: A controvérsia é objeto de inúmeros
precedentes, tendo sido recebida pelo STF como de repercussão geral
(Recurso Extraordinário com Agravo n. 660861 – relator Ministro Luiz Fux,
9/4/2012). No Superior Tribunal de Justiça, o tema não é pacífico, havendo
precedentes que reconhecem a desnecessidade de indicação específica do
local onde a informação nociva à dignidade humana está inserida para que o
provedor proceda à retirada. Ou seja, “independentemente da indicação
precisa, pelo ofendido, das páginas que foram veiculadas as ofensas
(URL's)” (REsp n. 1.175.675/RS, relator Ministro Luis Felipe Salomão,
Quarta Turma, julgado em 9/8/2011, DJe de 20/9/2011). Tal posicionamento
visa primeiramente fazer cessar o dano, visto que a rapidez com que as informações
são replicadas e disponibilizadas na internet pode tornar inútil a
prestação jurisdicional futura. Além disso, visa também preservar a
própria efetividade da jurisdição, principalmente quando envolve
antecipações dos efeitos da tutela em que se determina o bloqueio da
informação, e não apenas de um link específico. Portanto, propõe-se o enunciado
para a sugestão de harmonização do tema, optando-se pela tutela da dignidade
humana da vítima que procura o Judiciário para a satisfação da pretensão
de bloqueio do conteúdo nocivo e que não pode ser incumbida do ônus de
indicar em que local especificamente está disponibilizada a informação
lesiva toda vez que o mesmo conteúdo é replicado e disponibilizado
novamente por terceiros.
ENUNCIADO
555 – “Os direitos de outrem” mencionados no parágrafo único do art. 927
do Código Civil devem abranger não apenas a vida e a integridade física,
mas também outros direitos, de caráter patrimonial ou
extrapatrimonial.
Artigo: 927, parágrafo único, do Código Civil
Justificativa: De acordo com os termos do parágrafo único
do art. 927 do Código Civil, “haverá obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a
atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua
natureza, risco para os direitos de outrem”.
A lei estabeleceu uma espécie de cláusula
geral de objetivação da responsabilidade civil, que ocorrerá sempre que se
constatar que a atividade normalmente desempenhada pelo ofensor puder
acarretar risco para os direitos de terceiros.
Note-se que o risco a que alude a lei deve ser
dirigido aos “direitos de outrem”, não tendo o legislador indicado quais
seriam tais direitos. Por isso, é possível extrair do texto legal o entendimento
de que referidos direitos abrangem não apenas a vida, a saúde e a integridade
física das pessoas, mas também diversos outros, tenham eles caráter patrimonial
ou extrapatrimonial.
ENUNCIADO
556 – A responsabilidade civil do dono do prédio ou construção por sua
ruína, tratada pelo art. 937 do CC, é objetiva.
Artigo: 937 do Código Civil
Justificativa: A proposta demonstra a superação do modelo
de culpa presumida pelo Código Civil de 2002, tendo sido consagrada a
responsabilidade objetiva pelo art. 937 do CC diante de risco criado pelo
dono do prédio ou construção. Anote-se que essa é a manifestação de muitos
doutrinadores em comentários ao citado dispositivo (por todos: CAVALIERI
FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 7ª ed. São Paulo:
Atlas, 2007. p. 208-213; VENOSA, Silvio de Salvo. Código Civil
interpretado. São Paulo: Atlas, 2010. p. 891-892; GONÇALVES, Carlos
Roberto. Direito civil brasileiro. Responsabilidade Civil. 5ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2010. v. 4, p. 192-193; BARBOZA, Heloísa Helena. Código
Civil anotado. 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2009, p. 515; GAGLIANO, Pablo
Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. 10ª ed.,
vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 229). Na jurisprudência, numerosos
julgados concluem da mesma forma, citando inclusive a interação dialogal
com a responsabilidade objetiva consagrada pelo Código de Defesa do
Consumidor (ver: TJSP, APL n. 0191228-46.2009.8.26.0100, Ac. 6088024, São
Paulo, Quinta Câmara de Direito Privado, relator Desembargador Moreira
Viegas, julgamento em 8/8/2012, DJESP de 27/8/2012; TJRS, Ac. 34347-69.2011.8.21.7000,
Canoas, Nona Câmara Cível, relator Desembargador Leonel Pires Ohlweiler,
julgamento em 27/4/2011, DJERS de 31/5/201; TJRJ, ementário: 10/2002, n. 22,
18/4/2002, Apelação Cível n. 2001.001.21725, data de registro 13/3/2002,
folhas 33949/33957, comarca de origem: capital, 2ª Câmara Cível, votação
unânime, relator Desembargador Sérgio Cavalieri Filho, julgamento em
22/11/2001; TJRJ, ementário: 14/2004, n. 18, 20/5/2004, Apelação Cível n.
2003.001.30517, comarca de origem: capital, 17ª Câmara Cível, votação
unânime, relator Desembargador Fabrício Bandeira Filho, julgamento em
10.12.2003).
ENUNCIADO
557 – Nos termos do art. 938 do CC, se a coisa cair ou for lançada de condomínio
edilício, não sendo possível identificar de qual unidade, responderá o condomínio,
assegurado o direito de regresso.
Artigo: 938 do Código Civil
Justificativa: A proposta confirma a responsabilidade
objetiva tratada pelo art. 938 do Código Civil, estando igualmente na
linha da doutrina contemporânea (DINIZ, Maria Helena. Código Civil
anotado. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 637; GODOY, Cláudio Luiz
Bueno. Código Civil comentado. Coord. Ministro Cezar Peluso. São Paulo:
Manole, 2007. p. 782; CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de
responsabilidade civil. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 215-216; VENOSA,
Sílvio de Salvo. Código Civil interpretado. São Paulo: Atlas, 2010. p.
893; GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de
Direito Civil. 10ª ed., vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 230). Concluindo
pela responsabilização do condomínio, é esta a jurisprudência do STJ: “Responsabilidade
civil – Objetos lançados da janela de edifícios – A reparação dos danos é
responsabilidade do condomínio. A impossibilidade de identificação do
exato ponto de onde parte a conduta lesiva impõe ao condomínio arcar com a
responsabilidade reparatória por danos causados a terceiros. Inteligência
do art. 1.529 do Código Civil Brasileiro. Recurso não conhecido” (STJ,
REsp n. 64.682/RJ, relator Ministro Bueno de Souza, Quarta Turma, julgamento
em 10/11/1998, DJ de 29/3/1999, p. 180). Entre os julgados estaduais, com destaque:
TJRS, Rciv n. 71002670024, Erechim, Segunda Turma Recursal Cível,
relatora Desembargadora Fernanda Carravetta Vilande, julgamento em
13/10/2010, DJERS de 20/10/2010; TJMG, APCV n. 1.0024.08.107030-2/0011,
Belo Horizonte, Décima Segunda Câmara Cível, relator Desembargador
Saldanha da Fonseca, julgamento em 26/8/2009, DJEMG de 14/9/2009.
ENUNCIADO
558 – São solidariamente responsáveis pela reparação civil, juntamente com
os agentes públicos que praticaram atos de improbidade administrativa, as
pessoas, inclusive as jurídicas, que para eles concorreram ou deles se
beneficiaram direta ou indiretamente.
Artigos: 942, caput e parágrafo único, do
Código Civil, combinado com os arts 3º, 4º, 5º e 6º da Lei n. 8.429, de 2/6/1992
(Lei de Improbidade Administrativa)
Justificativa: O art. 942, caput e parágrafo único, do
Código Civil materializa tanto o princípio da imputação civil dos danos
quanto o princípio da responsabilidade solidária de todos aqueles que
violam direito alheio. A Lei de Improbidade Administrativa (LIA) ora vigente
não prevê, especificamente, a responsabilidade das pessoas físicas ou
jurídicas envolvidas nos atos de improbidade administrativa. Para que se
possa imputar-lhes a necessária responsabilidade civil pela reparação das
consequências dos referidos atos de improbidade, o julgador precisa
recorrer a uma interpretação sistemática dos arts. 3º a 6º da Lei n.
8.429/1992. Afinal, a atual LIA diz, no art. 3º, que suas disposições se
aplicam a todos os que, mesmo não sendo agentes públicos, induzem, ou para
ela concorrem, a prática dos atos de improbidade ou deles se beneficiam.
Diz também, no art. 5º, que, ocorrendo lesão ao patrimônio público por
atos comissivos ou omissivos, dolosos ou culposos, deve o agente público
ou o terceiro envolvido prestar integral ressarcimento. E, no art. 6º,
dispõe que ao enriquecimento ilícito do agente público ou do terceiro beneficiado
corresponde a perda de bens ou valores indevidamente acrescidos aos patrimônios
respectivos. Há uma acentuada preocupação, no entanto, pois não raro a defesa
dos infratores pontua que não se pode estabelecer condenação de natureza fortemente
punitiva, como o é a decretação da perda dos bens, sem uma tipificação
legal estrita. Assim, enquanto não for editada nova regulação para a
matéria, defendemos a necessária aplicação do art. 942, caput e parágrafo
único, do Código Civil como suporte legal para a responsabilidade
solidária de todos os envolvidos na prática de atos de improbidade
administrativa, sejam ou não agente públicos.
ENUNCIADO
559 – Observado o Enunciado 369 do CJF, no transporte aéreo, nacional e
internacional, a responsabilidade do transportador em relação aos passageiros
gratuitos, que viajarem por cortesia, é objetiva, devendo atender à integral
reparação de danos patrimoniais e extrapatrimoniais.
Artigos: 732 e 736 do Código Civil, 256, § 2º,
b, da Lei n. 7.565/1986 e 1º do Decreto n. 5.910/2006
Justificativa: O art. 736 do Código Civil afasta a
incidência das normas do contrato de transporte nas situações em que a
condução da pessoa é feita puramente por amizade ou cortesia, não
existindo nenhuma vantagem direta ou indireta para o condutor. Tal regra tem
reflexo direto na responsabilidade civil em caso de dano à pessoa conduzida.
Por não se tratar de transporte, mas de mera liberalidade, o condutor
somente será responsabilizado se ficar comprovado pela vítima ou seu
sucessor o dolo ou culpa grave, afastando-se a teoria do risco aplicável à
responsabilidade do transportador (art. 734 do Código Civil). Trata-se de
entendimento consolidado na jurisprudência nacional e expressamente
consagrado na Súmula n. 145 do Superior Tribunal de Justiça. Não obstante
o art. 732 do Código Civil e em abono à interpretação consagrada pelo Enunciado
n. 369 da IV Jornada de Direito Civil, no transporte aéreo de pessoas,
nacional e internacional, são aplicáveis aos passageiros gratuitos, que
viajarem por cortesia, as regras sobre responsabilidade civil do
transportador previstas nas leis especiais (art. 256, § 2º, b, da Lei n.
7.565/1986 e art. 1º do Decreto n. 5.910/2006). Por conseguinte, a responsabilidade
do transportador aéreo será sempre objetiva, sendo nula a cláusula excludente
de responsabilidade em tais casos ou que estabelece limitações. A indenização
deverá atender à efetiva reparação dos danos patrimoniais e morais, inclusive
relativamente aos passageiros gratuitos.
ENUNCIADO
560 – No plano patrimonial, a manifestação do dano reflexo ou por ricochete
não se restringe às hipóteses previstas no art. 948 do Código Civil.
Artigo: 948 do Código Civil
Justificativa: A possibilidade de reconhecimento do
ressarcimento de dano patrimonial reflexo em situações que destoam das
hipóteses previstas no art. 948 do Código Civil pode ser notada no
ordenamento brasileiro. Existem hipóteses defendidas pela mais abalizada
doutrina, como ocorre com o caso positivado no art. 945 do Código Civil português,
admitido pelo Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Outras hipóteses foram recepcionadas
pela jurisprudência nacional, a exemplo do que ocorreu no interessante caso
julgado pelo Superior Tribunal de Justiça em que uma empresa de promoções artísticas
pleiteava o dano patrimonial por ricochete sofrido pelo extravio das bagagens
de um maestro que contratara para participar de espetáculos artísticos
(REsp n. 753.512, julgamento em 2/3/2010, relator para o acórdão Ministro
Luis Felipe Salomão). A mesma linha de pensamento encontramos em recente
decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que se refere a demanda
condenatória ajuizada pelo Estado de São Paulo visando a indenização por
danos patrimoniais, tendo em vista que o fardamento utilizado por um dos
bombeiros integrantes de seus quadros encontrava-se dentro de veículo que
fora furtado no estacionamento de instituição de ensino particular em que
estudava o soldado em questão. Do voto da relatora se extrai que, “na
hipótese, o evento redundou na subtração, por via oblíqua, do fardamento
de bombeiro que estava no interior do veículo furtado do pátio do
estacionamento oferecido pela Instituição de Ensino de Marília. O nexo
etiológico está presente. Considere-se que não cabem disceptações sobre a existência
de relação jurídica entre a Universidade e o Estado. O dano ocorreu em ricochete”.
ENUNCIADO
561 – No caso do art. 952 do Código Civil, se a coisa faltar, dever-se-á, além
de reembolsar o seu equivalente ao prejudicado, indenizar também os
lucros cessantes.
Artigo: 952 do Código Civil
Justificativa: Segundo Mário Júlio de Almeida Costa, na
sétima edição do seu livro “Direito das obrigações”, na avaliação do dano
material, aplica-se a chamada “teoria da diferença”, na qual o prejuízo é
quantificado por meio da comparação entre o estado atual do patrimônio e
sua situação se o dano não tivesse ocorrido e a compensação das vantagens
perdidas, devidas sempre que o evento danoso tenha produzido ao lesado também
perda de lucros. O art. 952 do atual Código Civil apenas trata da indenização
a título de lucros cessantes quando a coisa usurpada ou esbulhada puder
ser restituída ao proprietário legítimo, dispondo ainda que, juntamente a
esse tipo de indenização, outra, pela deterioração da coisa, também deverá
ser paga ao prejudicado. Todavia, é importante dar tratamento igual para o
outro tipo de situação abordada nesse dispositivo normativo: aquela na
qual a coisa falte. Nessa situação, não se pode restituir a mesma coisa
que o possuidor legítimo tinha; assim, outra coisa equivalente ou outra
coisa equivalente estimada pelo preço ordinário e pelo preço de afeição da
coisa, quando esta própria não existir, deverá ser reembolsada ao
prejudicado. Na hipótese, também se deve interpretar como possível uma
indenização a título de lucros cessantes ao prejudicado caso o objeto
esbulhado ou usurpado fosse de seu uso em alguma atividade remuneratória.
Em tal situação, o proprietário legítimo da coisa claramente se encontra prejudicado
financeiramente pela falta dela, isso até o reembolso do seu equivalente,
ou seja, de objeto similar, ou até o reembolso do seu preço ordinário e de
afeição, contanto que este não se avantaje àquele.
ENUNCIADO
562 – Aos casos do art. 931 do Código Civil aplicam-se as excludentes da
responsabilidade objetiva.
Artigo: 931 do Código Civil
Justificativa: O art. 12 do CDC disciplinou integralmente a
responsabilidade civil pelo fato do produto, exigindo a existência de um
defeito no produto posto em circulação para responsabilização dos
fornecedores. Tal dispositivo prevê as circunstâncias que devem ser
levadas em conta pelo julgador para identificar o produto defeituoso e as
hipóteses excludentes de responsabilidade civil. De acordo com Sergio
Cavalieri, o fundamento da responsabilidade civil do fabricante por danos
causados pelos produtos postos em circulação é a existência de eventuais
defeitos nesses produtos. O art. 931 do CC dispõe genericamente que os
empresários respondem independentemente de culpa “pelos danos causados
pelos produtos postos em circulação”, mas não se refere ao defeito, tratado
no CDC. Isso ocorre porque o art. 931 foi proposto antes da existência do
CDC (Projeto de Lei n. 634, de 1975), inicialmente para proteger os
consumidores de produtos farmacêuticos e, ainda antes que entrasse em
vigor o CDC, sofreu alteração em sua redação para proteger os consumidores
de produtos de modo geral. Como reconhece explicitamente Rui Stocco em sua
obra, “o aparente conflito tem como origem o fato de que o art. 931 do
atual Código Civil foi redigido e incluído no projeto de lei muito antes
do advento do Código de Defesa do Consumidor. Impunha-se sua retirada,
posto que desnecessário”. Além disso, o art. 931 ressalva expressamente os
casos já previstos na lei especial, que, neste caso, é o Código de Defesa
do Consumidor. Portanto, o art. 931 do Código Civil não se aplica à
responsabilidade civil pelo fato do produto nas relações de consumo, uma
vez que essa hipótese foi integralmente disciplinada pelo art. 12 do
Código de Defesa do Consumidor, lei especial e de aplicação cogente, que
prevê os requisitos p ara responsabilização objetiva do fornecedor.
DIREITO DAS COISAS
COORDENADOR: GUSTAVO JOSÉ MENDES
TEPEDINO
ENUNCIADO
563 – O reconhecimento da posse por parte do Poder Público competente
anterior à sua legitimação nos termos da Lei n. 11.977/2009 constitui título
possessório.
Artigo: 1.196 do Código Civil
Justificativa: No âmbito do procedimento previsto na Lei n.
11.977/2009, verifica-se que o Poder Público municipal, ao efetuar
cadastramento dos possuidores no momento da demarcação urbanística, emite
documento público que atesta a situação possessória ali existente. Tal
reconhecimento configura título possessório, ainda que anterior à legitimação
da posse.
ENUNCIADO
564 – As normas relativas à usucapião extraordinária (art. 1.238, caput, CC)
e à usucapião ordinária (art. 1.242, caput, CC), por estabelecerem redução
de prazo em benefício do possuidor, têm aplicação imediata, não incidindo
o disposto no art. 2.028 do Código Civil.
Artigo: 1.238 do Código Civil
Justificativa: O Código Civil, quando estabeleceu regra de
transição a respeito da usucapião (art. 2.029), ocupou-se apenas das
hipóteses previstas nos parágrafos únicos dos arts. 1.238 e 1.242,
afastando, assim, o disposto no art. 2.028. Desse modo, inexistindo norma
de transição específica, os prazos estabelecidos no caput dos aludidos artigos
incidem diretamente, em analogia ao entendimento consubstanciado no
enunciado n. 445 da Súmula do STF. O proprietário possuiria, desse modo, o
prazo de vacatio legis do Código Civil para proceder à defesa de seus
interesses.
ENUNCIADO
565 – Não ocorre a perda da propriedade por abandono de resíduos sólidos,
que são considerados bens socioambientais, nos termos da Lei n. 12.305/2012.
Artigo: 1.275, III, do Código Civil
Justificativa: A Lei n. 12.305/2012, ao prever, no art. 6º,
VIII, que o resíduo sólido consiste em bem “econômico e de valor social,
gerador de trabalho e renda e promotor de cidadania”, impõe deveres ao
proprietário, vedando que dos resíduos disponha de forma inadequada.
Assim, tendo em vista os valores incidentes na tutela dos bens socioambientais,
afasta-se a possibilidade de abandono de resíduos sólidos, que devem ter a
destinação final ambientalmente adequada, com disposição final em
aterros.
ENUNCIADO
566 – A cláusula convencional que restringe a permanência de animais em
unidades autônomas residenciais deve ser valorada à luz dos parâmetros
legais de sossego, insalubridade e periculosidade.
Referência legislativa: Código Civil, art.
1.335, I, e Lei n. 4.591/1964, art. 19
Justificativa: A proibição prevista na convenção de
condomínio à presença de animais em unidades autônomas residenciais deve
ser analisada de acordo com os níveis de sossego, saúde e segurança do condomínio,
bem como com as especificidades do caso concreto, como por exemplo, a
utilização terapêutica de animais de maior porte. Evita-se, assim, a
vedação abusiva na convenção.
ENUNCIADO
567 – A avaliação do imóvel para efeito do leilão previsto no § 1º do art.
27 da Lei n. 9.514/1997 deve contemplar o maior valor entre a avaliação
efetuada pelo município para cálculo do imposto de transmissão inter vivos
(ITBI) devido para a consolidação da propriedade no patrimônio do credor
fiduciário e o critério fixado contratualmente.
Referência Legislativa: Lei n. 9.514/1997,
art. 27, § 1º
Justificativa: Considerando que, em regra, os
financiamentos imobiliários são de longo prazo, podendo ocorrer defasagem
entre o valor indicado no contrato e o valor de mercado, no primeiro
leilão a que se refere o art. 27, §1º, da Lei n. 9.514/1997, o imóvel pode
vir a ser ofertado e arrematado por valor muito inferior ao de mercado.
Considerando que o leilão deve ser realizado
nos 30 dias que se seguirem à consolidação da propriedade no patrimônio do
credor e que a transmissão constitui fato gerador do ITBI, o valor cobrado
pelo município para a transação pode mostrar-se o mais próximo da realidade
do mercado por ocasião do leilão.
Desse modo, caso esse valor seja superior ao
valor estipulado contratualmente, poderá ser utilizado para a fixação do
preço do imóvel para fins do primeiro leilão previsto na Lei n.
9.514/1997.
ENUNCIADO
568 – O direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo
ou o espaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato, admitindo-se
o direito de sobrelevação, atendida a legislação urbanística.
Referência legislativa: Código Civil, art.
1.369, e Estatuto da Cidade, art. 21
Justificativa: A norma estabelecida no Código Civil e no
Estatuto da Cidade deve ser interpretada de modo a conferir máxima
eficácia ao direito de superfície, que constitui importante instrumento de
aproveitamento da propriedade imobiliária. Desse modo, deve ser
reconhecida a possibilidade de constituição de propriedade superficiária sobre
o subsolo ou sobre o espaço relativo ao terreno, bem como o direito de
sobrelevação.
ENUNCIADO
569 – No caso do art. 1.242, parágrafo único, a usucapião, como matéria de
defesa, prescinde do ajuizamento da ação de usucapião, visto que, nessa
hipótese, o usucapiente já é o titular do imóvel no registro.
Artigo: 1.242, parágrafo único, do Código
Civil:
Art.
1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e
incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.
Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste
artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro
constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os
possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos
de interesse social e econômico.
Justificativa: A usucapião de que trata o art. 1.242,
parágrafo único, constitui matéria de defesa a ser alegada no curso da
ação de anulação do registro do título translativo de propriedade, sendo
dispensável o posterior ajuizamento da ação de usucapião.
FAMÍLIA E SUCESSÕES
COORDENADOR: OTAVIO LUIZ RODRIGUES
JUNIOR
ENUNCIADO
570 – O reconhecimento de filho havido em união estável fruto de técnica
de reprodução assistida heteróloga “a patre” consentida expressamente pelo
companheiro representa a formalização do vínculo jurídico de
paternidadefiliação, cuja constituição se deu no momento do início da gravidez
da companheira.
Artigos: 1.607 e 1.609 do Código Civil
Justificativa: O Código Civil de 2002, apesar de admitir a
reprodução assistida heteróloga no casamento (art. 1597, V), não tratou
expressamente da referida técnica no companheirismo.
Com base em pesquisa desenvolvida a respeito
do tema e considerando a regra do art. 226, § 7º, da Constituição Federal,
é de se afirmar que as técnicas conceptivas são admissíveis em favor dos
companheiros. Como não há presunção de paternidade do companheiro em
relação ao filho de sua companheira, ainda que ele manifeste consentimento
prévio à técnica de reprodução assistida heteróloga, é preciso identificar
o mecanismo de estabelecimento do vínculo paterno-filial.
Com base na integração das normas jurídicas
acerca do tema, deve-se admitir que a manifestação volitiva do
homem-companheiro quanto ao reconhecimento da paternidade não tem o condão
de estabelecer vínculo, mas apenas de formalizá-lo (ou declará-lo) sem que
haja falsidade ideológica em tal manifestação. Na realidade, a paternidade
jurídica se constitui mediante ato complexo consistente na manifestação de
vontade do companheiro, no sentido de autorizar a companheira a ter acesso
a técnica de reprodução assistida heteróloga, e no início da gravidez em
razão do êxito da técnica conceptiva. A proposta do enunciado visa
evidenciar os dois momentos distintos e, logicamente, as naturezas
diversas das duas manifestações de vontade do companheiro: a) a primeira como
integrante do ato formador do vínculo jurídico da paternidade; b) a segunda
com caráter de formalização do vínculo, de conteúdo declaratório. Para que
não haja dúvida a respeito da possibilidade de formalização do vínculo
jurídico de paternidade-filiação, ainda que ocorra a morte do companheiro antes
do nascimento do filho fruto de técnica de reprodução assistida heteróloga,
houve mudança da redação da proposta original para a
redação final aprovada.
ENUNCIADO
571 – Se comprovada a resolução prévia e judicial de todas as questões
referentes aos filhos menores ou incapazes, o tabelião de notas poderá lavrar
escrituras públicas de dissolução conjugal.
Artigos: 1.571 ao 1.582 do Código Civil,
combinados com a Lei n. 11.441⁄2007
Justificativa: A Lei n. 11.441⁄2007 prevê que somente é
permitido aos cônjuges fazer uso da escritura pública de separação
judicial ou divórcio se não houver interesses de menores ou
incapazes.
Entretanto, entendemos que, se os interesses
dos menores ou incapazes forem atendidos ou resguardados em outro processo
judicial, é permitido aos cônjuges dissolver o vínculo matrimonial,
inclusive com a partilha de bens e o uso do nome, sem que afete o direito
ou interesse dos menores ou incapazes.
A Lei n. 11.441⁄2007 é uma importante inovação
legislativa porque representa novo paradigma, o da desjudicialização, para
as hipóteses e cláusulas em que há acordo entre os cônjuges.
Se há acordo quanto ao divórcio e se os
interesses dos menores estão resguardados em lide judicial específica, não
há por que objetar o procedimento simples, rápido, desjudicializado, que
desafoga o Judiciário e dá resposta mais rápida às questões eminentemente
pessoais.
Ao Judiciário será requerido somente o que
remanescer da lide, sem que haja acordo, como também aqueles que contenham
direitos e interesses dos menores ou incapazes.
ENUNCIADO
572 – Mediante ordem judicial, é admissível, para a satisfação do crédito
alimentar atual, o levantamento do saldo de conta vinculada ao FGTS.
Artigos: 1.695 e 1.701, parágrafo único, do
Código Civil
Justificativa: O direito aos alimentos é um dos mais
importantes de nosso sistema, pois serve para garantir existência digna,
englobando a alimentação, o vestuário, o lazer, a educação, etc. Como se
sabe, atualmente, a única hipótese de prisão civil decorre da dívida de
natureza alimentar (art. 5ª, LXVII, CF).
Contudo, embora admitida a coerção pessoal,
muitas vezes os alimentandos encontram dificuldades em receber o que lhes
é de direito. Em algumas oportunidades, o próprio devedor resiste de
boa-fé, por não possuir os recursos suficientes para adimplir a pensão.
Em tal contexto, uma alternativa viável seria
a retirada dos valores depositados na conta vinculada ao FGTS para a satisfação
do crédito. Muitos princípios poderiam ser invocados em prol dessa
solução. Inicialmente, ambas as partes terão a sua dignidade reconhecida, pois
o credor receberá a pensão, enquanto o devedor se livrará do risco de prisão
civil. A menor onerosidade da medida é nítida.
A jurisprudência do STJ orienta-se pela
admissão da orientação do enunciado: AgRg no RMS n. 34.708/SP, AgRg no RMS
n. 35.010/SP e AgRg no RMS n. 34.440/SP. Há, igualmente, precedentes de
tribunais estaduais sobre o tema: TJ/RS, AI n. 70046109757, 7. C. C.,
relator Jorge Dall'Agnol, DJe de 1º/12/2011.
Dessa forma, a aprovação de um enunciado no
sentido proposto poderá colaborar para que os operadores de todo o Brasil
tomem ciência dessa orientação, o que redundará, em última análise, na
mais adequada proteção das pessoas.
ENUNCIADO
573 – Na apuração da possibilidade do alimentante, observar-se-ão os sinais
exteriores de riqueza.
Artigo: 1.694, § 1º, do Código Civil
Justificativa: De acordo com o ordenamento jurídico brasileiro,
o reconhecimento do direito a alimentos está intrinsecamente relacionado
com a prova do binômio necessidade e capacidade, conforme expresso no § 1º
do art. 1.694 do Código Civil. Assim, está claro que, para a efetividade
da aplicação do dispositivo em questão, é exigida a prova não só da
necessidade do alimentado, mas também da capacidade financeira do
alimentante.
Contudo, diante das inúmeras estratégias
existentes nos dias de hoje visando à blindagem patrimonial, torna-se cada
vez mais difícil conferir efetividade ao art. 1.694, § 1º, pois muitas
vezes é impossível a comprovação objetiva da capacidade financeira do alimentante.
Por essa razão, à mingua de prova específica
dos rendimentos reais do alimentante, deve o magistrado, quando da fixação
dos alimentos, valer-se dos sinais aparentes de riqueza.
Isso porque os sinais exteriorizados do modo
de vida do alimentante denotam seu real poder aquisitivo, que é
incompatível com a renda declarada.
Com efeito, visando conferir efetividade à regra
do binômio necessidade e capacidade, sugere-se que os alimentos sejam
fixados com base em sinais exteriores de riqueza, por presunção induzida
da experiência do juízo, mediante a observação do que ordinariamente
acontece, nos termos do que autoriza o art. 335 do Código de Processo Civil,
que é também compatível com a regra do livre convencimento, positivada no
art. 131 do mesmo diploma processual.
ENUNCIADO
574 – A decisão judicial de interdição deverá fixar os limites da curatela
para todas as pessoas a ela sujeitas, sem distinção, a fim de resguardar
os direitos fundamentais e a dignidade do interdito (art. 1.772).
Artigo: 1.772 do Código Civil
Justificativa: O CC/2002 restringiu a norma que determina a
fixação dos limites da curatela para as pessoas referidas nos incisos III
e IV do art. 1.767. É desarrazoado restringir a aplicação do art. 1.772
com base em critérios arbitrários. São diversos os transtornos mentais não
contemplados no dispositivo que afetam parcialmente a capacidade e igualmente
demandam tal proteção.
Se há apenas o comprometimento para a prática
de certos atos, só relativamente a estes cabe interdição,
independentemente da hipótese legal específica. Com apoio na prova dos
autos, o juiz deverá estabelecer os limites da curatela, que poderão ou não ser
os definidos no art. 1.782.
Sujeitar uma pessoa à interdição total quando
é possível tutelá-la adequadamente pela interdição parcial é uma violência
à sua dignidade e a seus direitos fundamentais. A curatela deve ser imposta
no interesse do interdito, com efetiva demonstração de incapacidade. A
designação de curador importa em intervenção direta na autonomia do curatelado.
Necessário individualizar diferentes estatutos
de proteção, estabelecer a graduação da incapacidade. A interdição deve
fixar a extensão da incapacidade, o regime de proteção, conforme
averiguação casuística da aptidão para atos
patrimoniais/extrapatrimoniais (PERLINGIERI, P. Perfis do Direito Civil.
RJ: Renovar, 1997, p. 166; RODRIGUES, R. G.
A pessoa e o ser humano no novo Código Civil.
In: A Parte Geral do Novo Código Civil(Coord.: G. TEPEDINO), RJ: Renovar, 2002,
p. 11-27; ABREU, C. B. Curatela & Interdição Civil. RJ: Lumen Juris,
2009, p. 180-220; FARIAS, C. C. de; ROSENVALD, N. Direito Civil/Teoria
Geral. RJ: Lumen Juris, 2010, p. 252; TEIXEIRA, A. C. B. Deficiência psíquica
e curatela: reflexões sob o viés da autonomia privada. Revista Brasileira
de Direito das Famílias e Sucessões, v. 7, p. 64-79, 2009.
ENUNCIADO
575 – Concorrendo herdeiros de classes diversas, a renúncia de qualquer
deles devolve sua parte aos que integram a mesma ordem dos chamados a
suceder.
Artigo: 1.810 do Código Civil
Justificativa: Com o advento do Código Civil de 2002, a
ordem de vocação hereditária passou a compreender herdeiros de classes
diferentes na mesma ordem, em concorrência sucessória. Alguns dispositivos
do Código Civil, entretanto, permaneceram inalterados em comparação com a
legislação anterior. É o caso do art. 1.810, que prevê, na hipótese de
renúncia, que a parte do herdeiro renunciante seja devolvida aos
herdeiros da mesma classe. Em interpretação literal, v.g., concorrendo à
sucessão cônjuge e filhos, em caso de renúncia de um dos filhos, sua parte
seria redistribuída apenas aos filhos remanescentes, não ao cônjuge, que
pertence a classe diversa. Tal interpretação, entretanto, não se coaduna
com a melhor doutrina, visto que a distribuição do quinhão dos herdeiros
legítimos (arts. 1.790, 1.832, 1.837) não comporta exceção, devendo ser mantida
mesmo no caso de renúncia.
STJ - 10/4/2013
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Maria da Glória Perez Delgado Sanches
Membro Correspondente da ACLAC –
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